Atraído pela música desde a metade dos anos 90, não levou muito tempo para que Michael Vater criasse o alias de artístico de Phonique para dedicar-se às atividades como seletor e mais alguns anos à frente, produtor musical. Propondo dinamismo ao sondar as facetas do House, o artista agrega um caráter freestyle ao seu panorama musical — o que o permitiu experimentar, através de performances que se alinham plenamente à ambiência do momento, entregando a trilha sonora ideal em todos os lugares que ele passa.
E olha que são muitos locais mesmo. Phonique rodou o mundo conduzindo as mais diversas pistas e aqui no Brasil, o alemão desenvolveu uma profunda relação em diferentes camadas: de artistas à público. São mais de 17 anos mantendo uma relação frutífera com o país que o abraçou rendendo momentos memoráveis em pistas e também, sua inclusão em importantes projetos, como o compilado de remixes para Rita Lee e Roberto de Carvalho — abaixo você pode conferir nosso editorial sobre a conexão entre artistas, estilos e gerações cultivada pela iniciativa.
Agora, Phonique prepara-se para a estreia na primeira festa a fantasia do Surreal Park, neste sábado, dia 11. Convidamos o artista para um papo sobre essa longa relação com o Brasil, o debute no Surreal que se aproxima, passando pela atual fase artística e breves considerações sobre os momentos históricos que temos vivido. Confira as interessantes histórias que Michael Vater, a mente por trás de Phonique, tem a nos contar:
Alataj: Olá Michael! Você é um artista que dispõe de um relacionamento de longa data com o Brasil e acredito que o seu design de som é o elo perfeito para esse relacionamento longevo. Como você compreende sua relação com o país?
Michael Vater (Phonique): Acho que só aconteceu porque eu tenho uma sondagem muito calorosa com a música, tipo, um dos primeiros shows memoráveis que fiz aqui no Brasil foi em um evento em 2005. Foi durante um cruzeiro e acho que foram quatro noites, tinham DJs tocando, então todo mundo estava a bordo e ninguém podia fugir ou mudar a pista de dança — havia apenas uma pista de dança. Na noite em que eu fui tocar, na verdade, eu estava fazendo o warm up e acabei tocando a noite inteira. Acho que eu deveria tocar durante cinco horas ou algo assim, para que eu pudesse fazer meu próprio warm up, mostrar minhas habilidades tranquilamente e construir um som caloroso e com uma atmosfera para as pessoas — naquela época, [um DJ conduzir a noite toda] não era tão comum, não no Brasil, e acho que também não em muitos pontos da Europa.
Foi ao ar livre e foi como uma surpresa para as pessoas, eu acho. Todos gostaram, entenderam depois de um tempo e a atmosfera fluiu de forma incrível. Três DJs deveriam tocar depois de mim — três DJs que ainda sou amigo —, entre eles Boghosian; e todos eles estavam tipo: “por favor, continue tocando porque é perfeito e não queremos interromper isso”. Então eu continuei por mais duas horas, e então eles assumiram. Essa foi minha primeira apresentação realmente importante no Brasil. Daí para frente essa relação foi se desenvolvendo.
Neste cruzeiro haviam muitos promoters, então fui convidado para tocar em suas festas porque eles experimentaram meu som e confiaram em mim para tocar em suas respectivas venues do jeito que eu costumo abordar a música.
Estou muito feliz que a música em geral tenha se desenvolvido de uma maneira muito aconchegante com o Deep House, mas agora está mudando novamente. Eu também sou um grande fã dessa mudança de certa forma e acho que sou um DJ que está muito atento às pessoas, à multidão. Acho muito importante conhecer o público, sentir o que eles estão sentindo, o que eles querem ouvir. Não é que eu esteja tentando agradá-los com cada faixa que estou tocando, mas eu sei o que eles estão esperando de certa forma e tento entregar isso, mas também meio que educar, apresentando algo novo, algo que eles não estão esperando no momento, mas não fazendo isso o tempo todo. A ideia é apenas contar uma história e construir atmosferas.
Então, para mim, isso de alguma forma foi um sucesso aqui no Brasil — fiz muitas amizades e também fui convidado para tocar várias vezes. Acho que desde que as pessoas ouviram o meu som, elas o apreciariam. É difícil obter essa sensação de uma mixagem de uma hora, por exemplo, porque isso é apenas uma hora e não se aproxima da interação que tenho com as pessoas na pista de dança. Na verdade, o que eu quero dizer é que eu não estou fazendo coisas engraçadas nem nada, mas eu tento me comunicar emocionalmente através da música com o público e acho que é algo que você não pode experimentar em uma mixagem do SoundCloud — embora você possa, é claro, apresentar ótimas músicas e tal. Além disso, tenho a sorte de ter algumas faixas boas que fizeram sucesso ao longo dos anos, inclusive no Brasil, então acho que meu principal fator profissional é ser DJ e me comunicar emotivamente com as pessoas através da música. Enquanto eu for convidado para tocar aqui [no Brasil], as pessoas ainda saberão disso e perceberão que é por isso que estou sempre voltando e voltando.
Por exemplo, em outros países aos quais não toquei por alguns anos, não estou mais tocando por lá, como Itália ou França. Principalmente porque as pessoas não conhecem meu som lá — elas consomem minhas produções ou meu conteúdo do SoundCloud, mas não é assim que a mágica funciona como DJ. Como tenho alguns lugares ao redor do mundo onde tenho tocado com frequência, continuo voltando porque, obviamente, as pessoas que ouviram a música realmente gostaram e acho que essa é minha maior força de certa forma.
Legal! E você se lembra o ano e como foi a sua primeira gig por aqui?
Essa que mencionei anteriormente acho que foi minha terceira apresentação no Brasil ou algo assim. A primeira, na verdade, foi no D-EDGE [São Paulo] em 2005, eu acho. Eu estava tocando uma noite com o Renato [Ratier] e dois dias depois era o aniversário dele, então estávamos voando juntos para Campo Grande [no Mato Grosso do Sul], sua cidade natal e onde foi o primeiro D-EDGE.
Comemoramos o aniversário dele lá, no primeiro D-EDGE que já estava fechado, mas ele reabriu para essa festa de aniversário. Esse foi um momento especial também.
A lista de spots brasileiros que você tocou é enorme, você é provavelmente um dos artistas internacionais que melhor conhecem as pistas brasileiras, mas agora chegou a hora de debutar em um lugar completamente diferente de tudo o que você já viu por aqui: o Surreal. Como andam as expectativas para esse encontro?
Na verdade, eu me sinto bem confortável em estrear no Surreal porque acho que a ideia do Renato foi um pouco como construir um lugar com algumas ideias de Berlim, da vida noturna de Berlim. Tínhamos um lugar em Berlim chamado Bar 25, que mantinha a mesma mágica acontecendo, com pistas diferentes, esse tipo de coisa… e acho que o Renato tem visitado Berlim frequentemente e tirou algumas ideias disso.
Também acho que o Renato tem o espírito do festival Burning Man e acho que… talvez eu esteja errado, mas vou descobrir no próximo final de semana, mas acho que foi essa a ideia que ele trouxe para criar esse lugar, criar algo completamente novo, mas trazendo essas idéias de Berlim, talvez do Burning Man para criar uma atmosfera muito mágica, então estou realmente ansioso por isso.
Eu acho que esse é o principal ponto, eu tenho que descobrir como as pessoas estão se sentindo no momento… quero dizer, se você for ao Burning Man, você provavelmente também ouvirá música muito orgânica ou melódica , mas você também pode ouvir estilos como Techno ou outros sons.
É isso que eu tenho que descobrir na própria noite: como é o ambiente, como as pessoas estão abertas. Para mim é sempre tranquilo, as pessoas são muito fáceis de lidar, mais calorosas e então eu posso tocar criando essas histórias, atmosferas e também, claro, tocar sons melódicos. Mas tudo depende da noite!
Ainda sobre sua relação com o Brasil, você foi selecionado para entregar duas releituras para uma das maiores cantoras e compositoras do Rock brasileiro, Rita Lee. Como rolou esse convite e como foi trabalhar com os stems dessa lenda?
O convite aconteceu porque sou amigo de longa data do filho da Rita, o João [Lee]. Nós tocamos muitas vezes juntos e ele me ofereceu uma das faixas dela para escolher, mas especificamente me pediu uma vibe mais clássica de House. Então acabei entregando duas versões diferentes — uma House bem clássica e outra um pouco mais orientada para Dub e Beats. É sempre divertido brincar com samples com tanta história.
Percorrendo seu abastecido catálogo musical é possível perceber uma evolução enorme que passa desde o aumento com vocais até a ampliação de seu trabalho com elementos orgânicos na música, ao mesmo tempo que percebe-se uma essência conectiva entre todos esses anos em que você nos fornece música. O que te guia para explorar novos campos sem se perder?
Eu sempre gostei de muitas variações da House Music. Eu abordo minhas produções pela óptica de um DJ que gosta de tocar diferentes gêneros durante um set longo. Isso às vezes pode ser confuso para as pessoas, pois elas preferem colocar o DJ em uma caixa para que possam entendê-lo melhor. Mas se você assistir aos meus sets, especialmente os realmente longos de 6 a 8 horas, você entenderá totalmente isso. Depois de ganhar 3 prêmios como melhor Deep House Act em 2008 e 2010, as pessoas me conectaram principalmente com o gênero Deep House, mas acho que isso sempre foi enganoso.
Eu certamente tenho uma abordagem mais calorosa e profunda em todas as minhas produções, e pode acabar em qualquer lugar entre o Disco e House melódico. Claro que meu estilo também está evoluindo com o tempo. Não estou produzindo o mesmo estilo de 20 anos atrás. Especialmente durante a pandemia, quando tocava principalmente na Rússia, Bielorrússia ou Albânia, entrei mais no House melódico e hoje em dia tento encontrar um bom equilíbrio entre a House Music melódica, a profunda e a clássica.
Mudando de assunto, você é um cara muito atento ao que está acontecendo ao seu redor. Como você interpreta o papel colaborativo da arte diante de tantos acontecimentos históricos que temos vivenciado ao longo dos anos?
Eu realmente não vejo como a arte estava colaborando com o 11 de setembro, a pandemia ou a invasão russa. Eu certamente posso ver como os eventos podem ter influenciado a arte em certas áreas, como a guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia que está fazendo com que muitos artistas ucranianos saiam da Ucrânia e vivam em Berlim, Lisboa ou Londres agora. Isso certamente os ajuda a evoluir e trabalhar em suas carreiras e é bom ver artistas ucranianos como Korolova, Miss Monique e Artbat recebendo uma grande exposição.
Ao mesmo tempo, vejo artistas russos sofrendo com o que Putin fez com a imagem do povo russo e, para gravadoras internacionais, é até um desafio pagar aos artistas russos, pois as transferências bancárias não funcionam mais. O futuro mostrará que tipo de impacto isso terá sobre os artistas da Rússia.
E se começarmos a falar sobre o impacto da pandemia no cenário artístico ou musical, podemos escrever um livro inteiro sobre isso. Apenas um fato engraçado sobre mim em relação a isso: em dezembro de 2020, quando Berlim quis abrir os centros de vacinação, eles empregaram principalmente artistas e pessoas da indústria de eventos porque sabiam que estávamos disponíveis durante esses horários e também por conta dos festivais, porque sabemos lidar com grandes multidões, pessoas difíceis, organizar as coisas em um prazo muito curto, sendo profissional e amigável em todos os momentos. Acabou sendo o melhor momento para nós fazermos networking, pois de repente, 500 pessoas da indústria de eventos estavam trabalhando durante o dia no mesmo lugar. Muitos novos projetos e colaborações nasceram disso!
Por último, mas não menos importante, nossa tradicional pergunta: o que a música representa para você, Michael? Obrigada pelo papo!
A música é mágica para mim. Pode te colocar em certos estágios emocionais, pode te fazer feliz, pode te fazer chorar, pode te fazer ganhar força e esquecer o lado estressante da vida. E como DJ, o fato de misturar duas faixas diferentes para criar algo novo sempre será um milagre para mim!
A música conecta.