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A música conecta

A semente japonesa na fundação da house music

Por Alan Medeiros em Notes 22.10.2025

A história da criação de Tears, um hino histórico para a house music, não é apenas um marco na discografia de Satoshi Tomiie, mas a própria gênese de sua jornada enquanto artista internacional. Este clássico, que se aproxima dos 40 anos de história, ressurge sob o nosso radar agora em um momento especial, pois Satoshi Tomiie, um de seus criadores, retorna ao Brasil após cerca de 15 anos para apresentações em Florianópolis (1º de Novembro no Terraza), Curitiba, (dia 6 no novíssimo Speaker Bar) e São Paulo (dia 7 na RARA GP Week). A oportunidade de testemunhar a técnica e a experiência de quatro décadas de Tomiie ao vivo nos convida a revisitar a colaboração que o tirou do Japão e o colocou no centro da música eletrônica global.

A semente de Tears foi plantada ainda no Japão, onde a house music era um campo totalmente desconhecido. Tomiie, na época com cerca de 20 anos e ainda estudante universitário, conheceu Frankie Knuckles durante a primeira turnê do mestre máximo do house no Japão, por volta de 1987. Ele estava ajudando a fazer a música tema para a série de festas de Knuckles e, aproveitando a chance, “forçou” Knuckles a ouvir suas composições. O instrumental de Tears, que Tomiie havia criado inteiramente em seu quarto, foi a faixa que conquistou a lenda de Chicago. O jovem produtor, que também se inspirava no techno de Detroit e no house de Chicago, deu à faixa o nome Tears, pois a linha de piano o fazia lembrar de “lágrimas rolando”.

O entusiasmo de Knuckles levou a um convite que mudaria a vida de Tomiie: viajar para Nova York. A faixa, creditada como Frankie Knuckles Presents Satoshi Tomiie, não foi uma produção tradicional de Knuckles, mas sim uma colaboração onde Tomiie forneceu os instrumentais. Frankie então assumiu o papel de produtor executivo, supervisionando a mixagem e a sessão vocal, uma função que Tomiie comparou a um papel do no melhor estilo Quincy Jones. Foi Judy Weinstein, a “mãe” da Def Mix, quem sugeriu que a faixa, inicialmente instrumental, precisaria de vocais, pois na visão dela havia uma canção escondida em seus arranjos.

O sonho de Tomiie se realizou quando sugeriu que o lendário Robert Owens, conhecido por seu trabalhos anteriores com Larry “Mr. Fingers” Heard, cantasse a letra prevista para a track. Knuckles prontamente providenciou a conexão. Owens, que estava em Chicago, ouviu o instrumental pela primeira vez quando Frankie a tocou em seu set no Metro, club localizado em Chicago. A tarefa de escrever a letra foi feita rapidamente, em cerca de 15 minutos, baseada na lembrança do instrumental e inspirada na dor de um amor não correspondido. Curiosamente, Owens relata que sua primeira gravação foi considerada muito agressiva pelos envolvidos, que buscavam algo mais palatável ao rádio. Robert então precisou estruturar a entrega vocal e tirar a tensão de algumas frases, embora partes icônicas tenham sido mantidas.

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Lançado em vinil pela FFRR em 1989, Tears se tornou um sucesso instantâneo na efervescente cena clubber da época. O impacto da faixa foi imediato e profundo: Tomiie já relatou algumas vezes que considera este o melhor começo de carreira que poderia imaginar. O sucesso levou-o a mudar-se para Nova York, onde se integrou oficialmente à lendária Def Mix, trabalhando ao lado de seus professores Frankie Knuckles e David Morales. A faixa foi tão crucial que ajudou a pavimentar a autoridade da Def Mix, estabelecendo também Tomiie não apenas como produtor, mas, em pouco tempo, como um requisitado remixer.

A jornada de Tomiie, iniciada com o sucesso monumental de Tears, perdura até hoje. Ele continua viajando o mundo, mantendo uma agenda com shows por todos os continentes. Quatro décadas após aquela primeira gravação que abriu todas as portas, Satoshi Tomiie, que também pode ser aclamado como um pioneiro do house, tendo se formado sob a tutela de lendas, traz toda essa rica história e a energia que o fez um mestre para os palcos brasileiros no comecinho de Novembro, oferecendo ao público a chance de experimentar a evolução de um som que nasceu das “lágrimas” e do soul desta música de Chicago que tanto amamos.

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