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A música conecta

Alataj entrevista Carrot Green

Carlos Gualda é quem dá vida ao personagem Carrot Green, o carioca que parece não se encaixar em nenhuma etiqueta musical e tem a versatilidade como um dos seus principais adjetivos. Quando o ouvimos, notamos facilmente aquele inclinamento bem brasileiro em seu espírito sonoro, o que ele expressa através de batidas étnicas, declamações brasileiras em faixas ácidas, mas aprofundando-se também na própria ancestralidade do nosso país com linhas de som africanas, seja por meio de seus sets ou até mesmo em suas produções.

Seu trabalho mais recente é a faixa 6AM, que integra o EP Club-i, segundo lançamento da label Irlandesa Filament. Juntamente com suas outras criações ao longo da carreira e apresentações que percorreram diversos países, além de integrar o lineup do Dekmantel em Amsterdã este ano, Carrot Green é um artista gabaritado que faz jus ao sucesso que vem conquistando. 

Nós tivemos o prazer de recebê-lo através do Alaplay, com um mix exclusivo para nosso podcast, além de um bate-papo sobre seu trabalho. Aumente o som e confira nossa conversa:

Alataj: Oi Carrot, primeiramente obrigada pela oportunidade de podermos conhecer um pouco mais sobre você, é muito legal termos aqui mesmo no Brasil artistas com um viés tão criativo. Como aconteceu seus primeiros contatos com a música eletrônica? Como você foi moldando a sua personalidade musical enquanto artista?

Carrot Green: Primeiro obrigado vocês, pelo espaço e pelas palavras. Meus primeiros contatos com música eletrônica foram no começo dos anos 2000, quando tinha uma cena forte de trance no Rio. Essas primeiras festas que eu fui, apesar de estarem sonoramente distantes do que acabei desenvolvendo, foram importantíssimas como experiências musicais, como vivências e como fontes de amizades e trocas.

Acho que minha personalidade musical vem sendo moldada desde a infância, na minha casa sempre teve muita música, eu toco violão desde os 11 anos. Meus irmãos e meu pai também tocam, minha mãe canta super bem — apesar de só cantar em casa.

É inegável a presença da sua essência musical brasileira, o que torna o conjunto da obra ainda mais interessante, mas a gente percebe também fortes influências da virada anos 80/90 em seus sets e produções, principalmente pela presença de elementos mais ácidos. Você viveu essa cultura do passado? Tem alguma coisa da qual você sente falta comparado aos tempos presentes?

Eu era um bebê quando surgiu o acid house e eu tendo a associar a noção de ‘acid’ a algo mais amplo que gosto musicalmente, tipo quando o som te leva pra algum lugar, diz algo com seus grooves e ambiências. Só que na verdade isso é uma percepção muito pessoal, já que o acid mesmo, em termos ‘técnicos’, tem uma relação mais direta com o som da (Roland) 303.

Não acho que sinto falta do que passou, nem lamento não ter vivido essa época, eu tento olhar pra frente e quero fazer parte de algo construído a muitas mãos aqui no Brasil e, mais especificamente, no Rio de Janeiro. Estamos num momento crítico com a crise do Covid-19, e isso cortou um momento muito legal de festas e coletivos na cidade propondo festas com muita verdade, então não tenho saudosismo de tempos passados, temos muita coisa para fazer de bom e importante aqui/agora.

Em seus sets há transição para momentos bem mentais e percebemos que você é capaz de explorar muito bem essa introspecção. Na hora da sua apresentação, sua relação com a construção musical é mais intuitiva ou você chega na gig com uma ideia inicial e se necessário vai se adaptando ao longo do set?

Mistura intuição com um pouco de preparo. Em geral, vou com algumas ideias para o set baseadas no que sei sobre o lugar, público e tipo da festa. Preparo algumas músicas que acho que tem a ver com a ocasião, mas o momento e a minha leitura da pista sempre influem muito… Vou navegando com um ‘norte’, mas com espaço pra adaptar ao que tá rolando na hora.

Quando o set anterior está legal tento formar um arco levando ele em consideração, o que sempre é bom pra pista, mas, quando cabe, também dá para ‘resetar’ o clima e levar tudo pra uma nova direção.

De uns tempos pra cá, nota-se um crescimento na cena eletrônica carioca, com novos projetos aparecendo, outros ganhando destaque e o estilo criando cada vez mais força. Notamos também um nicho bem inteligente dentro desse cenário entre o pop e o underground, que tem se destacado também pelas inserção das sonoridades brasileiras e uma onda mais disco. Como você percebe essas  popularização da música eletrônica no Rio? O que você acha necessário para que esse mercado cresça ainda mais nessa região?

A cena do Rio vivia um momento de muitos projetos legais com identidades próprias e públicos diversos, mas com a crise do Covid-19 o mercado e a cena eletrônica de festas virou um mar de incertezas em todos lugares do mundo. Se desconsiderarmos isso, a cena estava de fato em um momento de consolidação e expansão, seguindo um caminho que me parecia certo porque as festas e coletivos têm propostas musicais diferentes, mas de alguma forma sempre mantendo pontos de contato sonoros.

Para mencionar algumas, temos a Domply, a Festa até as 4, a Kode, a Querida Intriga, a Lâmina, a minha festa com o Gigios (Climão) e espaços como o Apê85, o Desvio e a Comuna. Tem muita colaboração entre os produtores das festas, que estão sempre se falando pra coordenar datas, locais ou fornecedores. Acho que pelas limitações de mercado e renda no Rio isso é um aspecto importante, pois fica claro que pensar juntos é melhor pra todo mundo.

+++ Gigios e Carrot Green falaram com a gente sobre a Climão

Festa Climão – Dez/2018 [Foto: Reprodução/Facebook]
Estamos enfrentando um hiato inédito em todas as faces possíveis: cultural, econômica, comportamental e claro, no quesito saúde. E com a pausa do entretenimento a nível global não nos permitindo estar na pista tocando ou dançando, resta a pesquisa, sair da zona de conforto e ativar a criatividade. Como tem sido esse período atípico pra você em termos artísticos?

Esse momento é inédito e a dimensão da crise pegou todo mundo completamente desprevenido. Entre tantos exemplos diferentes que tivemos de como lidar com a Covid-19, me preocupa muito a postura de alguns, como o Presidente, mas é importante dar voz àqueles que estão lutando por medidas necessárias na saúde e na economia, especialmente para pessoas e empresas mais vulneráveis. Então temos que focar dentro das nossas vidas em apoiar medidas que estão agora em debate, como a renda mínima e investimentos que no meu meio, apoiarão artistas, profissionais autônomos, espaços e serviços culturais, que já estão sem qualquer fonte de renda por período indeterminado.

Em termos artísticos, eu tenho o privilégio de ter montado ao longo dos anos um estúdio em casa, onde venho passando muito tempo. Tentando ver algo bom nesse momento trágico, acho que a quarentena acabou desacelerando a vida e esse tempo de repente virou recurso para revisitar projetos, viajar nos meus discos e voltar a produzir músicas autorais com outra intensidade, trocando sons com outros DJs e amigos.

Mesmo com esse momento diferenciado e inesperado, é preciso manter a carreira caminhando da melhor forma, ainda que num ritmo mais lento, dando continuidade aos trabalhos que já estavam sendo realizados. Esse ano, como produtor, você começou lançando um remix dub acid da faixa Elisabeta de Karpov Not Kasparov e tinha diversas gigs já marcadas. Como estão seus planos e projetos para os próximos meses de 2020?

Por ora, todos os gigs estão suspensos até segunda ordem, com alguns já pensando datas no segundo semestre para remarcar, como é o caso com todos os DJs com quem conversei. Enquanto se desenrola essa crise, tenho produzido mais músicas novas e esperado alguns lançamentos que ainda estão no forno com previsão pro fim do ano. Acabou de sair uma faixa por uma gravadora de Amsterdam (Filament) e o vinil ficou super legal. Tem músicas do Kito Jempere e do Donald’s House, produtores de uma onda maneiríssima que sempre aparecem nos meus sets, então fiquei muito feliz com esse release.

Saiu um remix pro Xaxim há pouco tempo também. Ainda está cedo para concretizar projetos nesse novo contexto ou já retomar os que estavam em andamento, então venho pensando em ações menores, como esses dias que soltei o download gratuito para quem quiser de um edit de uma música da Dulce Quental no Soundcloud que só tinha compartilhado com alguns amigos.

+++ Who? XAXIM

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que é música para você?

Essa pergunta é cruel, porque é difícil responder sem parecer cafona ou forçado. O que eu posso dizer é que música certamente faz e traz muito sentido para vida de qualquer um. 

A música conecta.

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