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A música conecta

Alataj entrevista DJ MAM

Por Alan Medeiros em Entrevistas 27.11.2018

Como vivemos em um cenário extremamente globalizado, como é o da música eletrônica, muitas vezes carecemos de artistas, figuras e personagens que transmitam a real identidade do Brasil. Entretanto, nomes como DJ MAM compensam esses momentos de falta e fortalecem o poder da nossa música: autêntica, negra e multicultural. Berlim, Detroit, Chicago, Nova Iorque e Londres colaboraram muito para o desenvolvimento de sons de pista na última década, mas acreditamos fortemente que o Brasil possui uma importância similar a esses polos.

O Carnaval Remix, organizado pelo próprio DJ MAM, é uma prova do nosso potencial de adaptação, interpretação e inovação frente a música eletrônica e brasileira. O projeto trata-se de uma série de EPs de remixes que reúnem a popularidade do nosso carnaval com o espírito contemporâneo e moderno da dance music. O resultado? Explosão na pista. Distribuída pela Sony Music, a série de EPs se tornou sucesso absoluto ao contemplar trabalhos de nomes como Manie Gang, DJ Raíz, Bloco do Afrojazz, Amigos da Onça e Furmiga Dub. Tudo compilado e organizado por MAM.

Mais do que nunca, precisamos valorizar a nossa real identidade musical e dar espaço a cultura de rua genuinamente brasileira. Observar e absorver importantes referências internacionais é importante, mas somente com um cenário interno fortalecido é possível dar corpo e consistência aos nossos projetos. A nosso convite, DJ MAM falou com exclusividade sobre alguns dos principais pontos que tangem sua carreira e consequentemente, estão muito ligados a essa abordagem. Confira:

Alataj: Olá, Marco! Tudo bem? A primeira vez que ouvi uma das faixas do Carnaval Remix fiquei encantando com a mistura proposta por vocês. Como surgiu essa ideia? Quais foram os grandes ensinamentos que você tem obtido com o desenvolvimento desse projeto?

DJ MAM: Olá Alan! Massa que você curtiu! A ideia vem sendo maturada desde a programação da última edição de nosso festival, o Sotaque Carregado, onde a dobradinha blocos e DJs virou super bem. Isso foi em 2016, em nossa edição olímpica, quando, em praça pública, a galera “bateu bundinha” e tremeu, com o tamborzão, o trap, o groove das baterias e sopros dos mais variados blocos. Daí, vim pesquisando quais destes já dialogavam com DJs em seus ensaios e quais as festas que convidavam os blocos, então os conectei para se remixarem Brasil afora, dentre artistas que acho que as suas referências se cruzam aos que somam forças complementares.

Alguns remixes já estavam prontos. Destes, um já foi lançado, que foi o da Orquestra Voadora remixada pelo trio Manie Gang. E, para dar notoriedade a diferentes gerações e públicos, convidei nomes como Alceu Valença e Preta Gil. Aprendi que, na pista, nas ruas e na avenida, quem manda é o coletivo! É a mistura! O Carnaval reúne a nossa identidade, a nossa miscigenação, as nossas cores, as nossas opções. Aprendemos juntos e estamos usufruindo dessa união com um projeto extremamente novo, que, em cinco meses, já teve três edições de lançamentos aqui no Rio, com 12 artistas, dentre DJs e blocos, envolvidos em seis remixes já distribuídos pelas plataformas digitais, através de nosso selo na Sony Music. Nossa maior vitória foi estrear no palco do Sesc Pompeia, um dos mais importantes do país. Aprendemos a nos comunicar com o nosso público, seja no Rio ou em Sampa, e queremos circular pelos estados e pelo mundo. Já estamos sendo copiados em eventos e em nossas estratégias. Acho positivo.

Percebo que há um movimento global de valorização à cultura musical brasileira frente a dance music. Qual a leitura que você faz desse momento? Nosso público e nossos artistas já compreenderam o grande potencial que existe nessa mistura?

Sim, está acontecendo, timidamente, agora, pelo mainstream. Comecei há 16 anos a trabalhar essa brasilidade quando lançamos o Brazilian Lounge (Sony Music). De lá pra cá, há 10 anos, criei o selo Sotaque Carregado e fui um dos difusores da música de raiz adornada pela música eletrônica e, como pesquisador, percebi a infinidade de possibilidades híbridas e a riqueza de nossa cultura. Gostaria de ver artistas como Marcelinho da Lua, Marky, Patife e DJ Dolores, precursores desse movimento, junto comigo, Deeplick, Lucio K, e Chico Correa, para citar alguns, cada um com a sua identidade, entrando mais no mainstream da dance music.

De certa forma, sempre fomos marginais, apesar de, vez por outra, estarmos em cena nas festas dos principais eventos de música brasileira do país. Entretanto, na dance music, incrivelmente, a língua portuguesa sempre foi mal promovida e agora se abriram bem mais os caminhos. O mesmo acontece com o rap. Não me soa muito natural o Alok fazer um remix do Baianá, música do Barbatuques, inspirada na cultura alagoana, mas, apesar dessa que me parece uma atitude mercadológica, vejo com bons olhos, pelo alcance que o DJ tem e pelo que pode gerar ao nosso ecossistema. Acho que falta uma união do mainstream com a nossa galera, que há mais de uma década e meia gera conceitos e referências para o mundo pop e que acaba sendo reconhecida pelas mãos de nomes internacionais como o produtor Diplo. Baianá, por exemplo, já é hit de minha pista e de meu programa de rádio há mais de 10 anos, foi tocada no Réveillon de Copacabana para 2 milhões de pessoas em 2007, já foi relido pela banda Sotaque Carregado e remixada por artistas como boTECOeletro, que ganhou o Prêmio da Música Brasileira em 2005, e pelo Tropikillaz em 2015, que atingiu quase 7mi de ouvidas no Spotify.

Acho que a parceria entre os DJs e os artistas que representam a música brasileira já vem dando certo em vários sentidos, como a própria versão que vamos lançar da mesma Baianá, dessa vez revisitada por Deeplick e Carlinhos Brown, dupla que trabalha há muito tempo essa fusão. Cada vez mais temos colaborações entre a nossa classe, mas sinto falta do mainstream nos dar as mãos e os créditos. Acho que essa aproximação está acontecendo, tímida e naturalmente. O mundo já se rendeu ao Brasil! Só falta o Brasil se unir mais ainda. Acho que é necessário, cada vez mais, tocarmos mais músicas um do outro e produzirmos juntos! É isso que faz a cena.

Você assumidamente possui um relacionamento intrínseco com o Rio de Janeiro. De que forma a cidade e suas pessoas contribuíram para sua formação enquanto artista?

Costumo dizer que o carioca tem um comportamento extremamente indígena. Quando um amigo turista está na cidade, mostramos com orgulho as nossas montanhas e o que paira sobre elas, seja o Cristo no Corcovado, seja o Morro da Urca e o Pão de Açúcar, seja a maior favela do mundo, a Rocinha, ou a primeira, a Providência. Essa geografia privilegiada influencia não somente a letra da minha música mas meu bem estar. Não consigo ficar mais que duas semanas longe do Rio. As pessoas são verdadeiros samples do que acredito ser um exemplo ao mundo. Digo, o carioca. Quando vamos à praia, por exemplo, onde as raças e classes sociais se misturam, nosso convívio é mais harmônico e, cada vez mais, mais diverso.

Entretanto, passamos por um momento triste em que o fascismo tem apresentado a sua lamentável face durante o período eleitoral. Essa miscigenação, esse hibridismo entre o popular, quase rural, e periférico, das favelas e subúrbios, versus o “sofisticado” da Zona Sul carioca, misturado com uma globalizada, quase Kitsch, Barra da Tijuca, aparece em minha música, das letras à sua produção musical. É com essa identidade que dialogo com o resto do Brasil e com o mundo. Já compus a música oficial da Riotur, Oba Rio, protagonizada por Ceci e Peri, personagens da obra O Guarani, a música tema do Cristo, Redentor, onde um sambista e capoeirista visita o ponto turístico. Cantei também o percurso do Rio que nos dá nome, como nativos da cidade, em Iemanjá Carioca, que nasce na Floresta da Tijuca e tem a sua foz na Baía de Guanabara.

Em Eu cheguei na Mauá, exalto a Zona Portuária, porta de entrada para a cultura africana no país. Em Nosso Jardim, valorizo a natureza numa ode ao Jardim Botânico. Os ritmos do candomblé, o samba, a bossa nova e o funk carioca, acabam sendo o DNA musical com os quais misturo o Rio que me habita com os sotaques do Brasil e do mundo. Dos diversos parceiros autorais, o mais antigo, e ativo, que é judeu, loiro e morador do Leblon, o excepcional multi instrumentista Rodrigo Sua; o negro, umbandista e soulman Aleh, enfim, componho e toco com cariocas, niteroienses, pernambucanos, paraenses, poloneses, alemães, italianos, homens, mulheres, feministas, LGBeTc, enfim… em grande maioria, minorias unidas num ambiente favorável à transcendência. O Rio é um chakra!

Seu álbum de estreia, Sotaque Carregado, representa um marco importante no desenvolvimento de sua carreira. Quais foram os principais desafios do processo criativo desse lançamento?

Apesar de minha discografia começar em 2002, com o lançamento do Brazilian Lounge, só em 2012 consegui assumir a minha obra autoral. Meu maior desafio foi me empoderar e cantar as minhas próprias músicas. O DJ sofre um preconceito desde o seu nascimento quando, aqui no Brasil, tocava atrás de cortinas. Agora, você imagina estarmos nos palcos e ainda performando com uma banda, com cenário, figurino, e cantando, sim, cantando as suas próprias composições.

De volta ao Carnaval Remix, quais são os planos para o restante de 2018 e 2019 em torno desse projeto?

Este ano, ainda teremos o lançamento do quarto EP com mais dois remixes e quatro artistas de carnaval e da música eletrônica envolvidos. Daqui pra frente, focaremos e faremos edições mensais em 2019, e ficaremos na circulação nacional do projeto. Já comecei a sondar os blocos existentes nas principais capitais europeias por onde eu costumo tocar e faz parte de meu plano essa internacionalização do Carnaval Remix.

Percebo que muitas das raízes da música brasileira foram sendo esquecidas ou deixadas de lado por parte do nosso povo. Na sua visão, o que é possível fazer para promovermos um resgate de artistas e movimentos importantes da nossa história?

Fazer remixes de clássicos ou de temas da cultura popular sempre serão bons caminhos, mas, mais do que isso, acredito em criarmos versões influenciadas pelos movimentos genuinamente brasileiros, nascidos de nosso processo mais visceral, a antropofagia, exaltada desde a Semana de Arte de 22, e que é a coluna vertebral bem temperada de nossos principais movimentos artísticos, como a Bossa Nova, a Tropicália, o Mangue Beat e a música eletrônica feita por artistas como nós. Mas, o grande lance é inserir as novas composições à essa amálgama e compormos com artistas afins de outros países, pois sim, somos Brasil, mas, somos mundo.

Nos últimos anos, como tem sido a recepção de públicos oriundos de outros países frente ao seu trabalho?

Excelente, pois eles se reconhecem nas referências globais, e reverenciam a nossa identidade única, que resguarda esse “amostra de planeta Terra” que é o Brasil.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

A música é a minha vida, minha companheira e meu amor.

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