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A música conecta

Special Series | Deep Dish

Special Series sobre o Deep Dish. Fiquei algum tempo olhando para a barrinha do Docs piscando, como quem diz: não vai começar, querida? Eis o dilema: como discorrer esse texto sem entrar em uma frequência nostálgica e lembrar do projeto através do que foi vivido? Missão impossível. Talvez por isso me foi designada essa pauta. Eu estive lá e arrisco dizer que contar essa história endossará melhor todo o resto. 

Pois bem. O ano era 2007, o Warung Beach Club se preparava para lançar as datas do Carnaval 2007, após ter vivido um Carnaval 2006 inexplicável com o Sasha e honestamente, não lembro se o próprio Deep Dish veio. Só sei que eu fiquei no centro de Balneário Camboriú tomando o famigerado “capeta” com as amigas e sendo bem 9vinha. A verdade é que eu tinha para mim que do próximo ano não passaria. O frenesi sobre a agenda do club no ano seguinte foi também algo a se recordar, até porque os valores dos ingressos revendidos pelos cambistas atingiam três dígitos, mas há quem diga que alguns poucos pagaram até quatro em algumas festas. Então, conseguir os ingressos logo de cara era necessário.

Estamos falando dos anos 2000. Não tinha Insta, Twitter, quiçá um Facebook tímido, mas nada como hoje. Eu, com meus recém 18 anos, inquieta pelo fato de que estaria finalmente livre para voar, nem pestanejei porque ver o Deep Dish era uma questão cabalística. E o que aconteceu? Algo inimaginável para essa inexperiente jovem (Tik Tokers soltem a música do Oh No agora): os ingressos para ver a dupla se esgotaram em poucos dias e eu, com o dinheirinho contado, chupei o dedo e chorei. Mas acreditem, eu não fui a única. Nem perto disso, uma legião chorou, esperneou e o Warung atendeu: fizeram uma dobradinha de Deep Dish e uma nova data para todos aqueles clubbers sedentos se abriu. Junto com o sol, estrategicamente posicionado na pista, uma das noites mais memoráveis para mim se materializou no club. Minhas amigas e eu vimos eles no front, não sou boba. Foi épico. 

Teve Flashdance? Teve. Teve Say Hello? Teve. Teve até mash up de Blue Monday do New Order com Hung Up da Madonna. Aliás, teve de tudo um pouco porque os caras estavam bombando pelo mundo não era à toa: estavam entre os 10 melhores no ranking da DJ Mag gringa (calma, naquela época ainda não era cafona fazer isso) e transitavam do under ao mais democrático e tudo parecia combinar perfeitamente de um jeito progressivo. Até o lado mais “Minimal do Minimal” do Dubfire e o jeito fanfarrão do Sharam. Não tenho dúvidas de que esse Carnaval (que teve outras festas absurdas) mudou a cabeça de muitos e contribuiu para que eu estivesse aqui hoje, assinando esse texto. Aquela noite, em um dos melhores clubs do mundo, não teve igual. É double drop de saudosismo. Mas, ok, chega de relato pessoal, vamos à história.

Quem? Como? Quando? Por quê? E por que acabou?

Não muito diferente do clássico começo: dois jovens a fim de fazer música e viver disso. De Washington D.C, com descendência iraniana,  Ali “Dubfire” Shirazinia e Sharam Tayebi surfaram naquela proeminente curva que atingiu o mundo como uma grande onda para a Dance Music. Se conheceram, ao que se tem registro, “por acaso” no começo dos anos 90 e decidiram trabalhar juntos. O diferencial? Diversidade, tocar de tudo um pouco para surpreender as pessoas. E como tudo que soou auspicioso nessa década, os guris do Deep Dish, chamaram atenção de nomes que já estavam fortes na cena, como Danny Tenaglia, responsável por dar aquele empurrãozinho.

Em 1998, então, eles lançaram o seu primeiro álbum de estúdio, Junk Science, enquanto eu jogava caçador na hora do recreio. Um baita LP, diga-se de passagem, que mistura diversas sonoridades e que, na época, causou impacto. Minha preferida? The Future Of The Future com Everything But The Girl. Dali em diante, o projeto começou a ganhar notoriedade e plantar suas sementes. Em 2002, seu remix de Thank You para a Dido ganhou o Grammy de Melhor Remix do ano, após outra indicação de 2001. Bombaram! Michael Jackson, Rolling Stones, Pet Shop Boys, Madonna são alguns dos nomes que eles remixaram.

Em 2005, como era de se esperar, eles voltaram com um segundo álbum oficial: George Is On, esse sim com a icônica Flashdance, Say Hello e Dreams, e o remix da original do Fleetwood Mac, com os vocais regravados pela Stevie Nicks (você pode inclusive saber mais sobre essa curiosa história aqui). Se o projeto já estava grande, aí sim, ficou gigante. Talvez até demais para eles mesmos. Gigs? Incontáveis. Prêmios? Muitos. Sold outs? Você leu a intro do texto, né? Os caras viraram um fenômeno, tocavam nas rádios, em festas, festivais, encabeçavam as charts e ainda por cima dirigiam a Yoshitoshi, sua própria gravadora que tem alguns nomes potentes como Miguel Migs, Chiapet e Kings Of Tomorrow e segue na ativa até hoje.

Esse clipe representa bem o nível de estrelato deles:

Não demorou muito para que o burburinho sobre o término do projeto começasse a ecoar pelo mundo. Você viu que o Sharam vai tocar em tal lugar e o Dubfire em outro? Não era o boca-boca local, eram as notícias. “Ficamos entediados de fazer a mesma coisa. Sempre fomos produtores e DJs separados que acabaram colaborando juntos por todos esses anos, queremos seguir em frente”, confessaram em entrevista para o Resident Advisor. E gradativamente, eles foram recuando do projeto para mirar em suas versões solo, mas Deep Dish nunca acabou de fato.

Os caminhos? Dubfire foi para o Techno minimalista, bem sério. Sharam quis seguir mais ou menos parecido com o projeto, atendendo mais a demanda do mainstream, segundo o próprio. Sem grandes surpresas, afinal, bastava vê-los tocando para entender que no b2b, havia, inegavelmente, um ponto de congruência entre os gostos, mas também o equilíbrio nesse girar de pratos sobre o que cada um gostava separadamente, com algumas cartadas muito específicas. Duas entidades diferentes, obviamente, e que se fossem muito parecidas não estariam onde estão.

E se recordar é viver, eles levam isso bem a sério. A verdade é que, vez ou outra, o Deep Dish volta. Sempre tem uma gig bombástica em algum local do globo acompanhada de uma notícia em caixa alta falando sobre essa re-união. Vez ou outra ainda lançam com a gravura e ainda remixam assim também. O single Quincy foi um desses momentos, acompanhado por uma turnê pontual, em 2014. Aí, pararam as máquinas novamente. Em 2018, back on track para um Coachella e um Pacha. Em 2019, os artistas mencionaram que estão em um processo para criar uma compilação de retrospectiva com algo bem personalizado e que pretendem manter esse legado vivo, pelo peso que tem para eles e para muitas pessoas no mundo. Há rumores sobre possíveis demos e finalizações em estúdio. Será? Não se sabe, mas essa é a graça. Ou melhor: talvez seja isso que manteve o projeto em um patamar especial.

Em minha singela opinião, ambos foram estratégicos na hora de seguir carreira solo e injetar mais força a isso. Juntos, tinham uma identidade sonora que representava justamente essa soma de potências, uma equação muito precisa que prosperou muito bem, principalmente na esfera do Progressive House – movimento que bombou ao lado deles, mas que no mesmo período também foi perdendo força no underground em função do que estava rolando nos grandes palcos. É como se o momento Pop deles tivesse começo, meio e fim e eles já sabiam que para honrar o underground precisariam colocar o pé no freio, já que havia esse desejo de cavar mais fundo.

Usaram essa força propulsora gigante para construir algo novo. Hoje, são como são: dois grandes nomes, carreiras consolidadas, bem sucedidos e com enorme relevância para o rumo da história, mas deixam o Deep Dish sempre ali. Estamos falando do nome que marcou uma fase de ouro e se tornou um dos marcos da história da Dance Music. Parece uma saída de mestre encerrar algo grande para que ela fique reverberando saudosismo, mas esse caso é tão especial que o loop se faz necessário.

A música conecta.

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