Skip to content
A música conecta

Madonna: a rainha do pop é filha da cultura clubber

Por Isabela Junqueira em Storytelling 25.07.2024

Madonna é sem dúvidas uma das artistas mais relevantes e influentes da música, o que levou a artista ao título de nada menos que a Rainha do Pop. Em 40 anos de carreira, Madonna se fez uma em um milhão e até hoje não há nenhum artista que quiçá possa ser comparado a ela, seja em nível musical ou de impacto cultural. Mas se engana quem pensa que a fórmula da Rainha do Pop é composta apenas pela excelente exploração de elementos desta cultura… não, não, não. No DNA de Madonna há muito da cultura clubber. Sua conexão íntima e longínqua com a dance music é tão importante na sua jornada que há quem diga que Madonna só é Madonna justamente por conta da cultura clubber de Nova Iorque que serviu como a base perfeita para a ascensão de uma das figuras mais (se não a mais) icônica do pop, ainda no final da década de 70, por volta de cinco anos antes da sua estreia musical.

Abertura da The Confessions Tour, em 2006

Inclusive a relação de Madonna com Nova Iorque é quase que mitológica. Ela chegou na cidade aos 19 anos, saída dos subúrbios de Detroit e com poucos dólares no bolso — e embora a Big Apple não fosse acolhedora, a vida noturna dela era bastante. Madonna encontrou seu ninho e criou muitos laços na cena expansiva de clubs de NY — ela estava no lugar certo, na hora certa, com uma vida noturna borbulhante e que jamais poderia existir nos dias atuais. Mega clubs subterrâneos se espalhavam pela cidade, lotados todas as noites com vanguardistas da arte, música e moda. Madonna, que era dançarina e chegou à cidade em busca de oportunidades, se tornou uma descendente dessa cena emergente formada por pessoas que se influenciavam mutuamente na pista de dança, estabelecendo as bases para uma cultura que logo consumiria o mundo.

Nesses primeiros anos em Nova Iorque, Madonna era frequentadores de clubs como o Studio 54, Club 57, Danceteria, Paradise Garage e diversos outros simplesmente lendários. Talvez nem ela imaginasse, mas esses espaços não eram apenas locais de diversão, mas também incubadoras de criatividade e inovação cultural. E não pense que Madonna se limitava ao glamour do Studio 54, muito pelo contrário… ela vivia um equilíbrio muito bem estabelecido frequentando também os inferninhos, onde conheceu parceiros importantes como seu futuro ex-noivo em 1981, o DJ Jellybean Benitez. Benitez era residente do The Fun House (club que inspirou o lendário Hacienda em Manchester), onde ele executava sets de 14 horas. Enquanto tudo isso acontecia, Madonna era uma presença constante na pista de dança e atrás da cabine do DJ e namorado, encontrando influência nos sets de disco e house para sua própria música, que inclusive logo se tornaram hinos que embalariam o próprio Fun House.

Madonna e Jellybean Benitez

Como uma espécie de bucha, Madonna absorveu a energia, cultura e a diversidade desses ambientes. Sua formação em dança, combinada com suas vivências nos clubs moldou sua abordagem tanto musical quanto performática criando uma sinergia precisa, inovadora e acessível entre a sua arte e toda a cultura clubber. Em 1983, com seu álbum de estreia homônimo, Madonna rapidamente se tornou uma figura central nas pistas de dança de Nova Iorque. Com faixas como Holiday e Lucky Star, ela capturou a energia desses clubs e conquistou o público com suas músicas e letras cativantes — que logo se tornaram um sinônimo de festa, celebração e acolhimento, causando inclusive um sentimento de orgulho na cena à época, afinal uma de suas filhas estava despontando para o sucesso.

Benitez produziu e remixou algumas das faixas do álbum de estreia de Madonna, incluindo Holiday e Burning Up, e antes mesmo do álbum ser lançado ele as compartilhou com amigos DJs, e entre eles estava ninguém menos que o icônico e inconfundível Larry Levan do também inconfundível Paradise Garage. Ou seja, antes de ser lançado, algumas das faixas de Madonna (o álbum) rodavam a cena alternativa, deixando primeiramente os frequentadores dos clubs ansiosos para ouvir (e claro, defender) uma das suas. Inclusive, o clipe de Everybody foi gravado dentro do Paradise Garage, confira:

Clipe de Everybody, gravado no Paradise Garage, em 1983

Com o lançamento de Like a Virgin na sequência, em 1984, Madonna seguiu ampliando a sua posição como uma das principais artistas da década. O álbum seguia muito conectado com a cultura que impulsionou a artista, vendendo milhões de cópias com hits como Material Girl e a faixa-título, que dominaram as pistas de dança. E ela seguiu explorando suas raízes clubbers também através de EPs, como Angel, lançado em 1985 — mesmo ano que seu relacionamento com Jellybean Benitez chegou ao fim. No entanto, seu sucesso continuou sendo amplificado posteriormente com True Blue, em 1986, e Like a Prayer em 1989, álbuns que exploraram temas mais profundos e variados, mas que ainda mantinham uma forte conexão com a música de pista. Durante esses anos, Madonna colaborou com alguns dos produtores mais inovadores da época, como James Farber, ampliando ainda mais sua influência em uma cultura que apesar de muito condenada à época, já caminhava para a popularidade global.

Vídeo clipe de Vogue, dirigido por David Fincher

A década de 90 viu Madonna se reinventar novamente com o lançamento de hinos absolutos que seguiram explorando seu eterno caso de amor com o dance floor. I’m Breathless apresentou a obra prima Vogue — um sucesso inconfundível até os dias atuais (e uma das faixas favoritas da redatora que vos redige). A música faz homenagem clara e direta à pista de dança, mas vai além e contempla a cultura e dança do voguing, que se popularizou nos anos 80, especialmente na cena LGBTQIAP+ de NY, no Harlem. Na sequência ela lançou o álbum Erotica, de 1992, que posteriormente ganhou um EP de remixes assinado pelo Masters at Work — conectada ou não com a dance music da Big Apple?

Em 1994, refletindo já uma maturidade artística eminente, Madonna demonstrou uma exploração musical ainda mais profunda através de Bedtime Stories. O álbum em si é um pouco mais romântico, mas é claro que posteriormente ao seu lançamento ela seguiu permitindo e liberando remixes — e aí desta fase vale o destaque para a versão do Orbital para Bedtime Story e também a versão Runway Club Mix de Danny Tenaglia para Human Nature. Madonna continuou a desafiar os padrões sociais e musicais, e a empurrar os limites da música pop, consolidando sua reputação como uma artista inovadora, ousada e completamente conectada com a dance music.

Em 1998, Madonna lançou Ray of Light, um álbum que pode ser considerado o marco zero de uma nova fase em sua carreira. Trabalhando com o produtor William Orbit, ela incorporou elementos ainda mais amplos da dance music e ritmos como ambient, techno e até o trance ganharam ainda mais espaço na sua música, criando um som mais introspectivo e etéreo, mas sempre energético. O álbum foi um sucesso crítico e comercial, ganhando vários prêmios e gerando hits como Frozen e a faixa-título, Ray of Light. A colaboração com Orbit não apenas destacou a capacidade de reinvenção e visão futurística de Madonna, já de olho na virada do milênio. Com um álbum que por si só reafirmou mais uma vez sua influência na música eletrônica e na cultura clubber, não suficiente, na sequência foi lançado o EP de remixes de Ray of Light e aí mais uma boa surpresa: remixes de William Orbit, claro, mas de outros nomes indescritíveis e MUITO (sim, em caixa alta) precisos: Sasha, Victor Calderone e Luke Slater — impressionante, não?

O novo milênio chegou, trouxe mais inovações para a música de Madonna com um primeiro lançamento que já chegou embalado por um mantra: “hey Mr. DJ, put the record on”. Em setembro de 2000, Madonna lançou Music e seguiu conquistando seu trono ao interpretar a música eletrônica em uma óptica que se conectou muito bem com as multidões. Àquela altura, Madonna já havia constituído quase que uma cultura de remixes posteriores aos seus lançamentos e para Music, nomes como Above & Beyond, Deep Dish, Groove Armada, Timo Maas e Paul Oakenfold foram os convocados. Essa lista reforça e deixa claro o quão significativa é a relação que Madonna manteve e ainda manteria com a música eletrônica — inclusive enquanto eu redijo este texto, com toda essa trilha sonora de fundo, é impossível não sentir arrepios constantes narrando essa relação. Fica claro que sempre foi uma via de mão dupla.

Em 2003, ela lançou American Life, um álbum particularmente especial que intensificou ainda mais esse relacionamento frutífero. Trabalhando com produtores como Mirwais Ahmadzaï, ao mesmo passo que Madonna explorava temas de identidade e crítica social em faixas como American Life, Hollywood e Love Profusion, ela o fazia embalando em uma roupagem que mistura desde techno a electroclash e muito mais. Deste álbum também saiu Die Another Day, que foi um grandíssimo destaque por ter sido a faixa selecionada para a icônica abertura de 007 – Um Novo Dia Para Morrer, filme de 2002. Como de costume, o EP de remixes mais uma vez apresentou uma lista invejável que contava novamente com nomes como Above & Beyond, Paul Oakenfold e Victor Calderone, mas também apresentou outros surpreendentes como Felix Da Housecat. Mais tarde, naquele mesmo ano, ela lançou Remixed & Revisited, que ofereceu novas interpretações das suas músicas.

Dois anos depois, em 2005, quando pensávamos que Madonna talvez buscasse outras influências ou fontes para seguir relevante, ela retornou às suas raízes e voltou reinserindo ainda mais a cultura que a preparou para o posto de realeza do pop, quando ela já estava plena em seu seu trono. Madonna solicitou pessoalmente a liberação para usar o sample de Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight), do ABBA, e conseguiu. Em outubro de 2005 ela apresentou ao mundo Hung Up e em novembro do mesmo ano, Confessions on a Dance Floor foi lançado, representando praticamente uma carta de amor aberta à cultura de pista. Com este trabalho, ela celebrou sua longa relação com a pista de dança, produzindo hits instantâneos como Hung Up (mencionada anteriormente) e Sorry.

Trabalhando com o produtor Stuart Price, Madonna criou um álbum contínuo e imersivo, criado para ser ouvido como uma mixagem de DJ. O álbum foi aclamado pela crítica e rapidamente se tornou um sucesso global, consolidando ainda mais sua posição como uma rainha das pistas de dança e do mundo pop. A Confessions Tour, turnê do álbum, é considerada uma das melhores que a cantora já entregou e até hoje é uma das era mais memoráveis da rainha do pop.

Danny Howells, Jacques Lu Cont, Man with Guitar, Paul Oakenfold e Green Velvet foram alguns dos convocados para as incumbências de remixes. É importante esclarecer que para além dos álbuns de estúdio, Madonna sempre teve uma forte presença da cultura clubber nas suas performances ao vivo. Desde suas primeiras turnês até suas apresentações mais recentes, Madonna trouxe a intensidade e a emoção das pistas de dança para os palcos do mundo todo. Sua habilidade de se conectar com o público também é uma das razões admiráveis pelas quais ela continua a ser uma figura tão central na música pop e na cultura clubber.

A relação de Madonna com a música eletrônica seguiu e segue rendendo frutos, não se limitando apenas aos seus próprios lançamentos. Ao longo de sua carreira, ela colaborou com alguns dos produtores mais inovadores da música eletrônica, que não apenas mantiveram seu som fresco e relevante, mas também ajudaram a introduzir novos estilos e tendências ao seu público. Madonna sempre esteve na vanguarda da música, absorvendo influências e redefinindo seu som de maneiras inesperadas e emocionantes.

A relação e dedicação de Madonna à cultura de pista é também uma expressão da sua paixão pela liberdade e pela auto expressão. Desde seus primeiros dias nos clubs de Nova Iorque até seus lançamentos mais recentes, Madonna usou a dance music como uma ferramenta importante ao explorar e desafiar as normas e padrões sociais, transformando a sua arte em uma celebração da diversidade, da inclusão e do acolhimento de ser quem você é, refletindo a própria essência da cultura clubber. Em uma indústria muitas vezes dominada por padrões rígidos, Madonna se destacou pela coragem em ser diferente e por sua determinação em seguir sua própria visão artística, honrando as bases que a fizeram a majestade que ela é.

O impacto de Madonna na cultura clubber também é inegável. Ao longo de quatro décadas, ela se reinventou inúmeras vezes, sempre se mantendo relevante e à frente de seu tempo e inserindo a dance music em locais de evidência e porque não de acessibilidade? Sua disposição para experimentar e correr riscos é uma das razões pelas quais ela continua a ser uma figura tão influente na música. Sem seguir as tendências, ela as criou e as redefiniu, influenciando a direção da música pop através de uma visão que celebra a música eletrônica. A relação de Madonna com a cultura clubber é uma parte fundamental da sua identidade como artista — e ela jamais seria a mesma sem essa grande influência.

A música conecta.

A MÚSICA CONECTA 2012 2024