Há 50 anos, dois casais se reuniram para fazer um tipo de música inusitada e revolucionária aos olhos do mundo. Agnetha, Benny, Bjorn e Anni-Frid, iniciais que se combinavam para um logotipo simples e ao mesmo tempo fenomenal: ABBA.
Sou suspeita para falar desse quarteto, desde que ouvi pela primeira vez, ainda criança, Mamma Mia, ao som do LP ABBA Gold que rolava no toca-discos do meu pai, e que ele guardava entre suas relíquias. Quando vi Agnetha e Anni-Frid na contra-capa do disco, pensei: “quero ser elas”. Foi então que minhas Barbies eram Agnetha e meus Kens eram Benny, às vezes Björn, e me imaginava vestindo aqueles trajes ilustres e cantando Waterloo, enquanto a outra coleguinha Anni-Frid acompanhava.
Assim como eu, que era uma criança, ABBA conquistou uma grandiosa multidão de crianças, idosos, jovens, homens e mulheres ao redor do mundo, chancelando a palavra Pop em seu significado mais verdadeiro. Pop porque mostrou à indústria americana que se podia fazer Disco tão bom ou melhor quanto os releases da Motown, misturando a música tradicional europeia e cantando em inglês – algo que era inimaginável e inaceitável até então. Pop porque vendeu mais de 400 milhões de discos entre as décadas de 70 e 90, estampando os principais charts da indústria entre os primeiros lugares. Pop porque foi capaz de influenciar a rainha do Pop – Madonna – e até mesmo a rainha da Suécia, que inspirou a grandiosa Dancing Queen.
E a que deve essa explosão fenomenal do quarteto? Bom, as razões são inúmeras, porém eu vou me concentrar em algumas principais. Musicalmente falando, Benny e Björn souberam como construir de forma impecável uma estrutura de estrofe, coro e refrão que foi imortalizada na cabeça dos fãs por mais de quatro décadas! Talvez nem o título de hitmakers possa estar à altura desses dois compositores. Frases como “Dancing Queen, young and sweet, only seventeen”, “Mamma Mia, here we go again, my my how can I resist you” e “Gimme, Gimme, Gimme a man after midnight” ecoam na humanidade sem perder seu glamour até os dias de hoje.
O sucesso também combinou o talento do produtor visionário Stig Anderson, que furou a bolha da Eurovision para o mundo, somado ao poder da voz da soprano Agnetha e sua parceira vocálica profunda e aveludada Anni-Frid, as quais enlouqueciam a indústria musical.
O tom artístico do grupo também foi um pilar responsável por revolucionar o mundo da Disco Music da época. Os videoclipes de cada single lançado, com os membros trajados de roupas extravagantes e exuberantes, traziam a sintonia, a alegria e principalmente, o amor dos casais que inspiravam tanto os fãs como as indústrias musicais. As letras se combinavam às trocas de olhares de Benny e Agnetha, Björn e Frid, parecendo um conto de fadas musical. Porém, esse amor que foi o pilar para o sucesso do quarteto, também foi o protagonista para seu fim.
Quando The Winner Takes It Out foi lançada, em 1980, a tristeza dos divórcios dos dois casais foi exposta de uma maneira emocionante ao público. Imaginem que Benny escreveu a letra da faixa, sobre sua tristeza quanto ao término, e Agnetha – a metade envolvida – a interpretou com um sentimento impressionante, mostrando sua melancolia diante da situação. Não havia mais alegria, harmonia e diversão entre eles. Havia o fim.
Super Trouper também já adiantava que o dinheiro, a fama e os holofotes não bastavam para que o principal elemento que os uniam, retornasse da mesma forma como antes. E então, The Day Before You Came, decretava o fim do ABBA em 1982. Além disso, o período também presenciava, coincidentemente, o fim da era de glamour da Disco Music, onde as plumas e paetês davam espaço para um olhar mais dark e futurista do New Wave, do Pós Punk e dos ensaios da músicas eletronicamente produzidas.
“Estávamos simplesmente começando a perder o contato com o mainstream da música Pop“, admitiu Bjorn mais tarde, em um podcast. “Você só consegue fazer parte desse mainstream – essa força notável e misteriosa que é tão difícil de definir – por um tempo limitado“.
Pensando nesse viés, o ABBA saiu de cena no momento certo.
ABBA: O Retorno
Passaram-se quase 40 anos sem novas reuniões do grupo. Nem mesmo no filme Mamma Mia Agnetha e Anni apareceram, contando apenas com a presença dos “BBs” Benny e Bjorn. Ao longo de todo esse período, certamente não há nada que estivesse mais na cabeça dos fãs, do que a seguinte questão: “o ABBA voltará novamente?” Bom, a partir da continuação do filme Mamma Mia 2, essa questão mudou o tom. Não se tratava “se” o ABBA se reuniria novamente, mas de “quando” isso iria acontecer.
Após especulações que rodeavam os quatro cantos da indústria musical, Björn confirmou o retorno em um podcast no ano passado, afirmando que era realidade: o ABBA não somente voltaria aos palcos, como também lançaria um álbum novo! A notícia veio como um golpe no coração de todos, e novas questões se agitavam entre os críticos musicais, artistas e fãs inveterados: “por que eles voltaram?”, “que ABBA encontraremos?”.
Não há nada que o tempo não cure, não é mesmo? Se por acaso esse hiato e as recusas de reunião por parte das “AAs” tenha sido decorrente de um desconforto do encontro com os ex-maridos – e aliado à falta de sintonia entre eles -, talvez o tempo tenha curado essa barreira. Ou quem sabe a quantidade estratosférica de pedidos de retorno do grupo por parte dos fãs, ainda diante de uma indústria musical totalmente diferente daquela deixada pelo ABBA na década de 80, tenha sido uma boa pedida para um retorno igualmente diferente e nostálgico.
E por falar em nostálgico, os dois singles que adiantam o álbum Voyage /acionam um spoiler do que podemos esperar do grupo neste retorno triunfal. I Still Have Faith In You e Don’t Shut Me Down traz um tom de amizade, de um olhar de carinho para o passado e de celebração de uma memória afetiva que foi compartilhada com o mundo inteiro.
Os singles apontam que nos juntaremos a um Abba não como dos discos voyeurs de Voulez-Vous e Dancing Queen, mas como eles são agora – na casa dos 70 anos, relembrando suas vidas e olhando para a música que fizeram no seu auge.
“Nunca vimos como estão as paradas musicais hoje“, confirmou Bjorn em uma coletiva de imprensa anunciando a nova música. “Decidimos desde o início apenas escrever as melhores músicas que poderíamos“. “Não estamos competindo com Drake e todos esses outros caras“, acrescentou Benny. “Não podemos fazer isso porque não entendo quais são os ingredientes das músicas que funcionam hoje, então é impossível emular.”
E quanto aos shows, o grupo musical, se apresentará não em carne e osso, mas por meio de avatares digitais rejuvenescidos que serão acompanhados de uma banda ao vivo com dez integrantes, assim como podemos ver no videoclipe de I Still Faith In You.
A música conecta.