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A música conecta

Innervisions: 20 anos

Por Elena Beatriz em Trend 15.07.2025

Muito já foi dito sobre o impacto da Innervisions na música eletrônica contemporânea. No editorial Do House ao Techno: a viagem entre estilos da Innervisions na posição de headliner publicado anteriormente aqui no Alataj, traçamos a jornada sonora guiada pelo caminho estético e curatorial que transformou o selo fundado por Dixon e Âme em uma potência mundial. Agora, o olhar se volta para as bases que mantêm esse projeto sólido, relevante e desejado quase vinte anos após a sua fundação.

O tempo costuma ser desafiador com selos independentes. Mudam os formatos, os algoritmos, o gosto do público, os nomes em alta, mas a Innervisions sempre teve a capacidade de operar em uma frequência própria de maneira constante, flexível e coerente. A gravadora criou uma junção de identidade, cronologia, narrativa e propósito, onde curadoria e sensibilidade caminham lado a lado, sem comprometer o todo em nome de tendências, ainda que tenha sido responsável por criar algumas das mais marcantes. 

Seu grande trunfo, aliás, talvez seja justamente esse: a capacidade de construir pontos de convergência entre aparentes antagonismos, equilibrando o racional e o emocional; o introspectivo e o dançante; a atenção e a intuição; a nostalgia e a vanguarda. Essa combinação não só fez com que o selo entendesse as exigências de uma cena em constante mutação, mas também fez com que ajudasse a moldá-la.

Sob o nome Innervisions, inspirado no conceito de ideias que ganham forma e nos tocam a partir de dentro, a gravadora redefiniu o que se entende como sofisticação na pista ao traduzir sentimentos complexos em uma musicalidade que aposta em composições completas, ricas em camadas e detalhes, priorizando músicas que contam histórias, provocam sensações e permanecem na memória, mesmo fora do contexto de um set.

Musicalmente, a Innervisions recusa a ideia de lançamento de faixas conhecidas apenas pela estrutura de DJ Tool. Os lançamentos do selo apostam em arranjos elaborados, que valorizam o desenvolvimento progressivo gradual, a riqueza harmônica e, acima de tudo, a estrutura melódica. Vocais são usados como elementos de textura e emoção, muitas vezes com timbres pouco convencionais para a pista, o que adiciona uma dimensão extra à experiência sonora. Essas características criam músicas que funcionam tanto na pista quanto em audições mais focadas e contemplativas, conferindo uma abrangência somada à atemporalidade que reforçam a durabilidade do catálogo. As faixas lançadas pelo selo têm começo, meio, fim e, sobretudo, têm vida.

Essa abordagem foi decisiva na transição do Deep House característico do início dos anos 2000 para uma estética melódica e introspectiva que ganhou espaço nas grandes pistas globais na década seguinte. Assim, a gravadora não só acompanhou as mudanças do mercado, mas o influenciou profundamente também, o que fez dela um selo de chancela: lançar com a Innervisions é fazer parte de uma narrativa respeitada pela comunidade global. Não por acaso, outros selos como Afterlife, Maeve, TAU ou Keinemusik surgiram imbuídos dessa mesma filosofia de identidade estética e poder perante a cena. Eles absorveram a lição de que essa forma identitária de se trabalhar era sinônimo de desejo e sucesso. 

Esse direcionamento, no entanto, não surgiu do acaso. Ele é fruto de uma estrutura criativa, sólida e duradoura, construída desde 2005 a partir da parceria entre figuras emblemáticas da cena, Dixon, Kristian Rädle e Frank Wiedemann (Âme), que atuam não só como grandes produtores musicais, mas como curadores atentos e rigorosos em matéria de qualidade, selecionando com precisão os lançamentos que dialogam com o conceito do selo. 

Essa capacidade de manter um padrão curatorial elevado por tanto tempo só é possível porque o núcleo permanece estável e comprometido com uma visão de longo prazo. Diferente de muitos projetos que se fragmentam com o tempo, a Innervisions sempre soube preservar uma linha estética clara mesmo diante das transformações do mercado. Ainda que novas sonoridades sejam incorporadas ao catálogo, a essência da gravadora permanece reconhecível. Essa coerência permitiu que artistas como Trikk, Eagles & Butterflies e Jimi Jules fossem integrados com naturalidade, ampliando o espectro musical da label sem diluir seu conceito.

Como parte do conjunto da obra, a Innervisions também consolidou uma identidade visual marcante, mutável e verdadeiramente conectada com cada um de seus projetos. As capas dos lançamentos são pensadas como parte do conceito estético do selo, conectando som e imagem em um mesmo território. Essa abordagem já passou por colagens, arte concreta, fotografia abstrata e construções gráficas assinadas por artistas como Jan Paul Evers e Shannon Bool, além das colaborações recorrentes com o designer Pierre Becker, da TaTrung. Cada arte carrega uma assinatura visual precisa e coesa, sempre integrada à atmosfera sonora de cada lançamento. O mesmo cuidado aparece em outras comunicações da label, que fogem do lugar-comum e reforçam a ideia de uma experiência estética completa.

Com o tempo, a Innervisions também se projetou como marca de eventos, realizando showcases e parcerias em diversos continentes. As festas do selo ganharam destaque por proporem imersões profundas, line-ups criteriosos, ambientações bem trabalhadas e apresentações longas, muitas vezes em formato back-to-back entre Dixon e Âme, que ajudaram a transformar as noites da Innervisions em eventos desejados por públicos exigentes. No Brasil, a presença da dupla já deixou alguns marcos importantes: desde edições do Warung, até seu back-to-back inédito no país, na ODD, em 2022. As passagens da gravadora por aqui têm público fiel, informado e engajado e essa conexão com o Brasil também se reflete em lançamentos com artistas brasileiros, como Keith Holland com as faixas Dilema e Nostalgia; Davis com a faixa Blind, em colaboração com Cameo Culture e a colaboração entre Gabriel Massan e Trikk na faixa Mata Mata, para citar alguns exemplos, estabelecendo pontes reais com artistas do nosso país que compartilham da mesma busca por sofisticação e identidade.

Em um panorama geral, mesmo diante da ascensão de novas tendências, com sonoridades mais aceleradas, híbridas ou abrasivas dominando uma parcela do mercado, a Innervisions mantém sua relevância, preferindo sempre absorver o que lhe faz sentido. Falar de Innervisions significa falar de resistência criativa, coerência e consistência. Seus 20 anos não representam apenas longevidade, mas a confirmação de que é possível construir relevância, permanecendo fiel ao que se acredita mesmo quando tudo muda. Para além de sobreviver ao tempo, a Innervisions soube o que construir com ele.

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