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A música conecta

Textão | Nostalgia ou necessidade: como você ouve música?

Por Arthur Cobat em Textão 06.10.2020

Se tem um lugar onde a gente gastou bastante tempo desde o início da quarentena, esse local foi a internet. Basicamente boa parte do entretenimento, trabalho e educação foram transferidos para os nossos dispositivos de acesso online, seja pelo computador, celular, tablet ou qualquer ferramenta que possibilite a conexão com o outro durante esse período de distanciamento. Diversos lugares já estão flexibilizando encontros e essa distância que foi tão intensa nos últimos seis meses, diminui de forma gradativa. Porém, esse Textão não é para falar sobre isso, mas sobre a forma como consumimos música atualmente e como tal período me trouxe reflexões sobre esse processo.

Eu nasci dia 16 de outubro de 1991, então sou um adulto prestes a completar 29 anos. Estava analisando que, se tem um grupo de pessoas que presenciou um grande furacão de mudanças na indústria da música é possível que eu faça parte dele, desses sobreviventes dessa chacoalhada fonográfica. Lembro que eu ouvia música de três formas: no micro system Sony preto da casa do meu tio, que rodava vinil e fita K7; no aparelho de som do Fiat Uno do meu pai, que vinha um toca-fitas de fábrica; ou na casa da minha avó, que ficava o dia inteiro ouvindo a rádio local e ligando para pedir música. 

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Qualquer pessoa que viveu os anos 1990’s, com certeza teve alguma aula onde a professora levava o aparelho de som e colocava uma fita K7 com conteúdo em áudio. Professores de Inglês sempre usavam esse método clássico nas matérias de “listening e repeat”. Esse meu tio que eu citei acima era músico e tinha um acervo gigante de vinis e milhares de fitas coloridas. Eu adorava pegar uma caneta BIC e rebobinar todas as fitas. E o barulhinho do vinil na agulha? Esse a gente voltou a sentir novamente de uns anos para cá. É uma sensação que traz estímulos sensoriais que só mesmo quem estuda ASMR – aquela técnica de relaxamento com barulhos de objetos – pode explicar. Como toda boa criança viada, foram incontáveis as vezes que esperava tocar Britney Spears na rádio, para poder gravar na minha fita K7 e conseguir ouvir depois. Uma trabalheira, que por vezes dava muito errado, mas sempre criou uma relação a mais no ato de ouvir música que vai muito além de apertar o play.

De lá para cá, essa forma de consumir música mudou completamente. Logo na metade dos anos 90s o vinil era drasticamente trocado pela chegada do CD, que atualmente está praticamente se despedindo do mercado também. É um ciclo que sempre acontece se pararmos para analisar as datas que pontuam a história de cada formato desses. Se pensarmos que o Brasil não tinha uma cultura de vinil antes de 1951 – ano do lançamento do primeiro LP de 10’’ no país – e que esse mercado permaneceu forte por aqui até 1991, somamos 40 anos de permanência do LP como principal fonte de consumo musical por aqui. Em 1986 foi lançado o primeiro CD no Brasil, mas apenas em 1996, dez anos depois, o formato finalmente caiu na graça do público devido a estabilização da moeda com o Plano Real (1994). No ano de 1997 as gravadoras praticamente não produziam mais vinis, inclusive, no ano de 1994 o país era o maior consumidor de vinil do mundo. Da metade dos anos 90s até o início dos 00’s, a fita cassete pirata e o CD dominavam o mercado. 

Para entender melhor o ponto que quero chegar, precisamos fazer algumas contas importantes. O vinil foi comercialmente lançado no ano de 1948, mas só alcançou o seu auge dez anos depois da sua criação, permanecendo forte no mercado por pouco mais de 20 anos, de 1960 até metade 1995. A fita K7 teve sua produção em massa em 1964, mas apenas nove anos depois desse lançamento, em 1973, que esse formato foi amplamente aceito pelo público, permanecendo nas prateleiras por aproximadamente 20 anos. Adentramos então na era do Compact Disc, que chegou ao mercado mundial em 1982, mas só conseguiu desbancar a venda de vinis pelo mundo em meados de 1993. Dez anos depois, em 2003, as vendas de CD chegaram a ultrapassar a marca de 30 bilhões de exemplares vendidos. Nesse período de glória do CD, vimos também uma chegada tímida do iPod, em outubro de 2001. Demorou um tempo até que os MP3 players portáteis ganhasse o mundo de forma democrática. Se pararmos para pensar que nossos smartphones ainda são um MP3 portátil e plataformas de áudio digital, digamos que, seguindo as nossas contas, estamos no momento de auge deste formato. O primeiro smartphone no formato que conhecemos hoje foi lançado pela Apple em 2007, seguido em 2008 pela chegada do Android e 2010 pelo Windows Phone (quase 10 anos depois do surgimento do iPod). 

Pega o seu caderno e vamos voltar com as nossas contas. Pelo histórico que vimos, um formato físico tem um período de expansão de 10 anos, permanece durante 20 anos no mercado e é substituído por uma nova plataforma, que já havia sido lançada 10 anos antes. Há um tempo estamos vendo uma volta considerável do vinil, após 15 anos do seu quase sumiço das prateleiras das lojas. Não que seja uma volta ao consumo de massa, porque os custos de produção desse formato não são acessíveis hoje em dia. O mesmo está acontecendo, de forma menos protagonista, com as fitas K7. Recentemente artistas como Zopelar, Kakubo, Valesuchi e diversas cantoras Pop como Lady Gaga, Dua Lipa, Jessie Ware, Roísin Muprhy, têm lançado seus álbuns também nesse formato – alguns com preços acessíveis, outros nem tanto. 

Antes eu me perguntava o motivo desses artistas estarem lançando vinil, sendo que era tão difícil e caro comprar meus álbuns favoritos nesse formato – e inclusive ter uma vitrola. Acabei ganhando uma vitrola e constantemente me vejo gastando dinheiro com álbuns pontuais que eu gosto. Há um tempo, me questionei o mesmo motivo de tanta gente estar lançando música em fita K7. Me peguei semana passada procurando um toca fitas para comprar, mas o preço atualmente não está nada convidativo. Se a vida útil do CD, seguindo as nossas contas, é de 20 anos, estamos perto de encerrar esse ciclo em 2023. Quem tem seus CD’s e Discman que os guardem, porque a tendência é daqui há 15 anos esse formato voltar para suprir o nosso constante sentimento de nostalgia. É quase um jogo do mercado com nós, amantes de música.

Se pararmos para pensar que os maiores consumidores de CD são jovens, que em 15 anos estarão prestes a completar seus 30 anos, faz completo sentido o mercado de CD’s voltar para esse público, assim como aconteceu com o vinil, está acontecendo com a fita K7 e, quem sabe, acontecerá com o iPod e smartphones? Pelo que tudo indica, acho que desvendei essa charada capitalista sacana das gravadoras. 

Independente da sua geração, todo mundo está sentindo nessa quarentena a necessidade do tato, dos sentidos, do apertar, de sair do digital. A grande questão que martelou minha cabeça esse mês é: se você ficar off-line, por onde você vai ouvir música? Isso me bate um grande arrependimento de um dia ter excluído absolutamente todas as minhas pastas musicais que tinha no computador. Afinal, temos quase tudo no Spotify, Apple Music, Tidal, Deezer etc.

Percebo que um formato acaba complementando o outro. Porém, confiar apenas no digital talvez seja um erro contemporâneo grave. A nova CDJ3000 não toca mais CD e eu vejo um futuro muito próximo onde os DJ’s irão hospedar suas músicas em nuvem, em um site específico e pago, fazer o login na CDJ e estarão lá todas as suas pastas disponíveis, podendo acessá-las off-line, como já acontece em contas pagas do Spotify e Apple Music.

Na dúvida, eu penso em me dar de presente, em breve, um toca fitas, Discman e um iPod, para poder colocar nele apenas álbuns muito importantes para mim, já que ser uma pessoa nostálgica é um exercício que fica cada vez mais caro diante da escassez desses formatos físicos. Porém, é também um momento incrivelmente prazeroso de se ter quando vivemos em tempos de descarte digital e apreciação supérflua da música.

Finalizo deixando esse set incrível do DJ Awesome Tapes From Africa, 100% em fita cassete. 

A música conecta.

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