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A música conecta

De olho no futuro e vivendo o presente com Naiche

Por Francisco Raul Cornejo em Trend 01.12.2023

A música gera movimento de diversas maneiras além daquela mais imediatamente conhecida por todos nós, a corporal. Ela também pode se tornar algo mais amplo que ela mesma, se entranhado em várias outras esferas da cultura e alimentando vastos universos simbólicos repletos de possibilidades. Usualmente, isto ocorre quando um amálgama de força criativa que envolve várias linguagens artísticas encontra a coesão necessária para sustentar uma cena praticamente inteira, incluindo sonoridade e visualidade, ou mesmo um jargão e até um conjunto de atitudes próprias.

+++ Quem são os designers por trás de algumas das principais capas de música eletrônica do Brasil?

Exemplos abundam, mas talvez a materialização mais icônica — e aqui a palavra encontra seu sentido mais verdadeiro — desse fenômeno sejam as profícuas parcerias entre selos que ajudaram a moldar a música popular como conhecemos e os artistas gráficos que lhes proveram o léxico visual que prontamente reconhecemos. Som e imagem que se fizeram historicamente tão indissociáveis que a memória de um se torna atrelada a de outro e aqui facilmente lembramos de Designers Republic com a Warp, Peter Saville com a Factory, Tony McDermott com a Greensleeves, Reid Miles com a Blue Note entre tantos outros.

Naturalmente, quando um projeto se propõe a realizar uma missão tão ousada quanto essencial para o redesenho de uma cena como a de congregar talentos e esforços inovadores em torno de um objetivo comum, fundir som e imagem aparece como uma etapa fundamental para o êxito. E, mesmo que a criação ou manutenção de um movimento não seja um desafio que a Tijolo Records tenha abraçado como propriamente seu, a tarefa que tem levado a cabo com uma curadoria consistente de lançamentos e qualidade constante nos eventos a coloca como a empreitada mais próxima de cumpri-la, colocando o mineiro Naiche num papel central na construção de sua identidade.

+++ “Tijolo por Tijolo” na construção de uma estética coletiva e conectiva entre Brasil e EUA

Neste breve papo, sucinto mas esclarecedor, intenso e sincero como as obras em destaque, acabamos por conhecer melhor seu criador, percorrendo o caminho e os processos que o trouxeram até o momento atual de sua carreira. E, claro, passando pelos fatores que tornaram possível essa união sinestésica tão singular entre seu trabalho e um dos selos mais inventivos de nossos tempos.

Alataj: Onde, quando, como se iniciou a jornada do Naiche nas artes visuais? Qual foi o lampejo que deu ignição a sua vida criativa nesse campo?

Naiche: Uns 15 anos atrás, eu entrei de cabeça na criação de gráficos para merch, flyers, posters… Tudo começou com uma vontade de criar estética para eventos e bandas nas quais eu tocava e organizava. Aos poucos, meu trabalho chamou a atenção na cena em que eu estava inserido, isso em 2000 e pouco. Recebi convites no natural de eventos, marcas e bandas que curtiam como era meu estilo na época, algo meio grafite estêncil só que com uma abordagem mais “dark’’.

Essa experiência foi um verdadeiro clique na minha mente. Pensei: “opa, talvez faça sentido investir mais tempo e energia nisso”. A cena punk/hardcore e o universo do skate foram as principais influências nesse início. Observar os layouts e ilustrações das capas de discos, os gráficos  em shapes de skate e ter participado de um momento em que a música dessa cena ecoava com intensidade foram fundamentais. Eu costumo dizer que não tem como ver uma capa do Bad Brains, por exemplo, e não se empolgar com aquilo.

Capa do álbum de homônimo do Bad Brains, de 1982

Mas, como eu estava dizendo, esse ambiente musical e a filosofia de vida ligada ao skate e ao punk/hardcore contribuíram significativamente para o desenvolvimento da minha própria estética. O senso de comunidade e a energia desses movimentos moldaram não apenas meu estilo gráfico, mas também ajudaram a criar uma verdadeira “essência” no meu trabalho. Desde então, tenho tido a oportunidade de deixar minha marca em diferentes segmentos e a música é o principal deles, eu acho.

Seja pela experiência ou pelo aprendizado, todo artista tem processos, preferências ou mesmo métodos que guiam sua criatividade. Quais são os que estruturam seu trabalho?

Café, pelo menos um beck por dia, proteína e salada, papel, caneta preta 0.5mm, impressora, pacote Adobe e paciência.

Eu tenho um processo que eu chamo de “sample imagem” que provavelmente deve ter um nome técnico que não vou saber qual, consiste basicamente em fazer uma colagem com vários pedaços de outras imagens e criar algo novo com o meu traço meu estilo. Normalmente acho esses “samples” no cotidiano, um mascote de um restaurante do centro, uma embalagem, fazer “ripoff” de uma logo clássica esse tipo de coisa. Pego isso tudo e jogo minha essência, meu estilo e transformo em algo novo.

Normalmente, minhas criações tem esse lado mais violento, criminoso e sujo, por consequência de ter habitado e vivido meios em que isso tudo se faz presente, basicamente retrato uma cena pensando como um vilão pensaria, entende?

Quais foram os artistas (de todas as linguagens) que o motivaram a se tornar como eles, aqueles cujo trabalho o instigaram e continuam a inspirar?

Meu pai, Clube Atlético Mineiro em 2013 (procure saber), Ana Gama, Raymond Pettibon, Spike Jonze, Dan Higgs, HR, Guru, Paulie Gualtieri, Gustave Dore, Félix Guattari, Mondrian, o cara que fazia as artes da Fubu nos anos 90, Mario Prada, Mussum, Sepultura, Clube da Esquina, Antwuan Dixon, Katsuhiro Otomo e Dominic Toretto.

Você também toca e produz música. Essa paixão sempre correu paralela às artes plásticas na sua vida? Como elas se alimentam?

Meu velho sempre tocou, e desde cedo, essa influência me puxou a querer pegar um instrumento também. Venho de uma família musical, mesmo em uma “quebrada rural”, um violão, mesmo sem algumas cordas, fez parte da minha vida. Essa conexão me impulsionou a formar uma banda, viajar, fazer turnês, e antes mesmo de me aprofundar nas artes visuais, eu já estava mergulhado na música. Minha primeira banda surgiu aos 13/14, e desde então, esses dois universos sempre estiveram entrelaçados.

Hoje, mais da metade dos meus trabalhos estão ligados à música. Essa ligação se estabeleceu porque a produção musical sempre esteve ao meu lado. Para mim, a música tornou-se um refúgio, uma forma de expressão que nunca deixarei de explorar. Com a arte visual, consegui unir essas duas paixões. E, de quebra, adicionei o financeiro à equação.

É incrível para mim que a música seja um refúgio, algo que me conecta com pessoas e me proporciona experiências incríveis. Transformar essa energia sonora em formas visuais me realiza pra caralho. É foda poder expressar visualmente o que a música significa para mim, pois ela me aproxima de pessoas, abre portas para experiências incríveis, e traduzi-la em imagens é a minha forma de compartilhar essa realização.

E quanto ao que está no horizonte? O que dá para entrever e compartilhar neste momento?

Tenho trabalhado com dois artistas bem foda do Reino Unido e quero ver isso na rua logo menos. Tenho feito a direção de arte pra uma marca de skate nova que logo menos sai um full video deles e quero muito ver isso também. Algumas boas novas da Tijolo, estou produzindo algumas músicas novas, vem vindo umas boas por aí.

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A música conecta.

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