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A música conecta

Legado em potencial: como FKA Twigs conecta o Pop a música de pista

Por Elena Beatriz em Trend 08.08.2025

A relação entre o Pop e a música eletrônica nunca foi unilateral. Ao longo das décadas, ambos os universos alimentaram um ao outro em uma simbiose onde o Pop absorve as linguagens da Dance Music para se reinventar, enquanto a música eletrônica encontra, em algumas figuras potentes, ícones capazes de representar e amplificar seu alcance para além dos clubs, atingindo uma camada mainstream que dificilmente seria envolvida se não houvesse um ponto de convergência. Em casos como esse, que unificam todo o conjunto da obra e expandem o diálogo entre essas duas esferas com muita personalidade, é possível citar alguns exemplos como Madonna, Lady Gaga, Kylie Minogue, Róisín Murphy, Kate Bush, Björk e, mais recentemente, FKA Twigs

Entre tantos nomes que já ocuparam esse lugar de mediação entre o mainstream e a cultura que forma a base das pistas, poucos o fizeram com tanta autonomia criativa quanto FKA twigs. Sua trajetória, que se ramifica entre diversas frentes artísticas, evidencia que é possível ocupar o centro da indústria sem abrir mão de uma proposta autoral e profundamente ligada à experimentação. Nesse sentido, seu trabalho age de maneira disruptiva não apenas sobre as sonoridades que propõe, mas para com as estruturas de poder que delimitam quem pode ocupar certos espaços e de que forma isso pode ser feito.

Perfectly é seu trabalho mais recente, lançado em julho deste ano

Em diversos momentos, Twigs já foi descrita como Avant-Pop ou como destaque do R&B contemporâneo, rótulo que não chega a ser completamente equivocado, mas que tampouco dá conta da complexidade do seu trabalho. Seu repertório dialoga com esse universo, especialmente na condução vocal e no teor emocional das letras, contudo, é inegável a existência de uma ampla gama influência dos elementos de club music em suas criações, como UK Bass, Garage, Jungle, Indietronica, Trip Hop e Techno. Talvez a expressão “genre-bending” seja a única a sintetizar a maneira como sua obra estabelece conexões pouco usuais, transformando a multiplicidade em assinatura, para produzir algo que é, no fim das contas, absolutamente seu.

Desde seus primeiros lançamentos, como EP1 (2012) e EP2 (2013), Twigs já dava sinais de uma abordagem musical que escapa à previsibilidade do pop tradicional. Em M3LL155X, essa intenção se intensifica quando se observa o curta-metragem que acompanha o disco, que propõe certa estranheza não habitual em criações para artistas pop, enquanto as faixas constroem um vocabulário que recorre a distorções vocais, batidas fragmentadas e atmosferas que remetem diretamente à estética do clubbing, como em Glass & Patron, ainda que ressignificadas sob uma ótica íntima e sensorial. 

Outras criações de FKA já projetavam com mais familiaridade essa relação com a música eletrônica como os álbuns Magdalene (2019), que alterna níveis de densidade, espelhando os altos e baixos de uma pista emocional, e Caprisongs (2022), que carrega estruturas rítmicas da música de pista, como nas faixas Pamplemousse e Which Way. São obras que reafirmam seu trânsito natural entre o pop experimental e as múltiplas vertentes da música eletrônica. 

Entretanto, foi com o seu último lançamento, o álbum EUSEXUA, que sua relação com a música eletrônica se estabeleceu de forma mais contundente, com uma linguagem direta ligada à pista de dança, como destaque para as faixas Room Of Fools, que dialoga diretamente com uma pista em catarse; Sticky, que utiliza trechos de Avril 14th de Aphex Twin, e Keep It, Hold It, onde Nicolas Jaar colaborou na composição. 

O dinamismo se torna ainda mais evidente quando observamos como as faixas de FKA twigs reverberam além de seus lançamentos originais. Canções como Two Weeks, Pendulum e Cellophane ganharam versões remixadas que passaram a circular em pistas híbridas, onde o pop vem de encontro com a música eletrônica de vanguarda. Esses remixes ampliam o alcance do trabalho da artista, demonstram a maleabilidade de sua sonoridade e, além disso, promovem o maior alcance da música eletrônica a outros públicos. 

Essa flexibilidade está diretamente ligada ao modo como Twigs concebe suas criações: com um olhar curatorial que se aproxima muito mais da autonomia de expressão do que das estruturas rígidas impostas pelo mercado. Mesmo quando flerta com sonoridades mais acessíveis, sua abordagem é marcada por uma busca por profundidade. Não à toa, ainda que de forma indireta, é possível identificar em seu repertório influências de nomes como Burial, Massive Attack e o próprio Aphex Twin, artistas que ajudaram a consolidar uma sonoridade baseada na fragmentação, na densidade e no uso expressivo da ambiguidade.

Não por acaso, marcou presença em festivais como Primavera Sound e Pitchfork Festival, eventos que historicamente apostam em curadorias que transitam entre o experimental, o pop alternativo e as múltiplas vertentes da música eletrônica. Essa inserção em palcos que valorizam a experimentação reforça a ideia de que Twigs não apenas ocupa um espaço entre mundos, mas contribui ativamente para a diluição de fronteiras entre eles, abrindo novas rotas possíveis para quem vem depois. 

É fundamental reconhecer o impacto de sua presença como alguém que ajuda a legitimar uma estética mais ousada, sensorial e experimental dentro de um circuito historicamente marcado por expectativas normativas, especialmente para mulheres. Seu trabalho abre caminho para uma nova geração de artistas; PinkPhanteress, Shygirl, Tirzah, Sega Bodega e até mesmo Rosalía em seus momentos mais experimentais.

No fim das contas, medir o impacto de FKA Twigs apenas por números ou posições em paradas, embora relevantes, seria perder de vista o mais importante: sua capacidade de remodelar e expandir a cultura pop ao fundir sua estrutura com a abordagem sensorial e narrativa que engloba a música eletrônica, criando um estilo próprio que não apenas incorpora elementos do underground, mas os transforma para reposicionar o mainstream de forma autêntica e inovadora.

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