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A música conecta

Alataj entrevista André Rios [Reshuffle Music]

Por Alan Medeiros em Entrevistas 20.11.2018

O que faz um país ter ampla tradição na cultura eletrônica? Muito além de um histórico forte de produtores nacionais capazes de exportar o conceito de uma determinada região para o mundo, é necessário renovação. Entenda as razões que nos levam a pensar dessa maneira:

A França, por exemplo, não se acomodou após a histórica geração do french touch e nem mesmo viu artistas mais jovens copiar a risca o perfil de Laurent Garnier. Esses dois exemplos ilustram sim um momento muito especial para história musical do país, mas além de um marco, são a consolidação de um forte incentivo para novas gerações.

Um dos frutos dessa tão importante e comentada renovação da dance music francesa é o núcleo Reshuffle Music. Criado em Setembro de 2015, o coletivo é um dos mais ativos entre os novos players da cena de seu país e já apresentou eventos com nomes como Demuja, Z@P, Herodot, Riccardo, Lowris, Spacetravel e DJ Koolt em diferentes cidades da França, entre elas Paris, Lille e Bordeaux.

Durante o mês de Outubro, parte da Reshuffle esteve no Brasil para pocket shows em Curitiba e no Rio de Janeiro. Durante a passagem, conhecemos a figura de André Rios, um dos líderes do coletivo. Com exclusividade ao Alataj, André falou mais sobre o trabalho intenso e cuidadoso do núcleo francês. Confira abaixo:

Alataj: Olá, Andre! Tudo bem? É um prazer falar com você. A lista de artistas que já passaram pela pista da Reshuffle é bastante expressiva. Como funciona o processo de curadoria do label?

André Rios: O prazer é meu, Alan. Obrigado pela entrevista! Essa lista é bem expressiva mesmo, na verdade ela reflete um pouco da história da Reshuffle. Antes de tocar, sempre fomos jovens apaixonados pela pista de dança, nosso grupo foi várias vezes em festivais juntos, entre eles o Sonus Festival na Croácia, Sunwaves na Romenia e claro, diversas festas em Paris. Dançamos em inúmeros eventos e fomos ao longo do tempo afiando o nosso ouvido e procurando cada vez mais música, buscando cada vez mais discos.

Eu diria que têm duas fontes principais para a curadoria do label. Primeiro, a escolha é ligada a um artista que nos marcou com suas produções e sets, que nos fez dançar muito. Acontece que a escolha também é impactada pelas relações que construímos e com artistas nos quais acreditamos, com quem compartilhamos uma amizade especial: Nacho Bolognagni, Tokker, Alec Falconer, Jef K (icone da house francesa) são bons exemplos. Geralmente procuramos artistas que nunca foram convidados a tocar em Paris, foi o caso com Crihan (SUNRISE), DJ Koolt (Phonotheque), Tiago Walter (GOSU), Phil Evans (GOSU), Z@p (Phonotheque).

 Aqui do Brasil possuímos uma admiração bastante significativa por tudo que a França já fez pela dance music. De que forma a cultura musical francesa contribuiu para o desenvolvimento da Reshuffle?

Essa pergunta é bem interessante. É claro que a França tem referencias mundiais como Laurent Garnier, Bob Sinclar, Daft Punk, St Germain e Etienne de Crécy… mas além disso, é importante valorizar o que está acontecendo hoje em Paris, com vários coletivos que estão em destaque sobre vários aspetos e trazendo para a pista francesas nomes jovens em lugares novos e originais. Posso mencionar alguns nomes de coletivos que estão fazendo um trabalho muito interessante em Paris de alguns anos para cá e que claramente contribuíram para o nosso desenvolvimento: Distrikt Paris, La Mamie’s, Binarysound, Playground Paris, RA+RE, Crazyjack.fr, Automatic Writing, Most Wanted, Increase The Groove, Ghost Club… entre outros.

Trabalhamos muito com a Binarysound e Weapon, montamos o projeto L’Atelier que nos permitiu convidar a lenda uruguaia DJ Koolt para a primeira gig dele na França! Podem pesquisar esses nomes todos… valem muito a pena conhecer o trabalho de cada um.

Com o desenvolvimento da dance music em um nível global, núcleos e festas independentes se tornaram cada vez mais comuns e passaram a ocupar posição de destaque na cena internacional. Como você avalia esse momento e projeta o futuro para a Reshuffle e esses coletivos?

Isso é excelente! As pessoas procuram cada vez mais exclusividade e mudança, são palavras nas quais que as festas independentes estão acreditando e fazendo propostas muito interessantes. Eu fiquei admirado no Rio, antes de eu chegar lá, algumas pessoas me disseram que a noite eletrônica era pobre, que não tinha quase nada, mas quando comecei a sair aqui e conhecer festas como a 4 Finest Ears, Domply, Dissolvë, Festa até as 4 e MOO, vi que isso não era verdade. Tem muita coisa acontecendo no Rio de Janeiro e isso não vai parar de crescer. A cidade possui grande potencial e uma galera muito animada, cheia de motivação. Ainda vamos dançar muito pela frente! Tenho impressão que cheguei num momento muito interessante e que vão aparecer várias oportunidades de colaboração. Essa é a palavra-chave que todas as festas independentes e projetos do mundo deveriam guardar: colaboração. Assim que se consegue consolidar uma cena.

Como uma festa de caráter itinerante, certamente você e sua equipe já encontraram muitos desafios na produção de eventos. Nesse processo, quais foram os principais aprendizados que você obteve?

Muitos mesmo. A experiência se constrói assim. Me lembro ainda de alguns momentos de estresse intensos, por exemplo quando organizamos o livestream do DJ Koolt em Paris, antes da gig, 5min antes de ele começar um dos toca-discos não funcionava mais. Tentamos examinar o problema guardando a calma e vimos que era só um probleminha com o braço do toca disco que estava mal regulado…ufa! Conseguimos resolver! Segundos depois, o DJ Koolt me disse que nunca tinha tocado com uma DJR 400 (mixer francês feito por um artesão em Paris) e que não estava preparado para tocar para no livestream, que desastre! Finalmente, ele experimentou, e até que gostou do mixer! (risos). O set dele ficou sensacional! O principal aprendizado é guardar a calma e abraçar os acontecimentos com positividade… sempre se consegue dar um jeitinho.

Curitiba e Rio de Janeiro estão na rota da Reshuffle aqui no Brasil. O que representa pra vocês estar em ação nessas duas cidades? O que está sendo preparado e projetado para cada uma das edições? [pergunta e resposta feita antes da tour]

Bom, primeiro é uma grande alegria poder tocar no Brasil e mostrar um pouco da nossa música a pista brasileira. O Rio de Janeiro é uma cidade linda, que gosta de animação, festa e alegria, que bom porque os discos que o Lemoan e o Rülen estão trazendo música para ficar pulando em todo o lado sem parar durante horas. Curitiba, pelo que vi e observei, é uma cidade que sempre foi bem avançada no que se trata de música eletrônica. Conhecemos o Club Vibe e eu tive a oportunidade em 2012 de conhecer o festival Tribaltech, que me deixou agradáveis lembranças! Sensacional poder fazer parte do cenário de hoje. Agradecemos o Lucas Demian, pelo seu trabalho e pela Orbit, linda festa que está sendo preparada para o dia 27 de outubro e que já produziu artistas que respeitamos e até convidamos em Paris, como o italiano Riccardo (Imprints).

Como você enxerga o momento atual da cena eletrônica na França? Sabemos que há bons artistas fazendo a diferença, mas o público, está realmente interessado em consumir música conceitual?

O momento é maravilhoso. O público abraça cada vez mais a música eletrônica e os ouvidos vão se afiando, ficando cada vez mais exigentes. Isso cria novos desafios, a qualidade tem que estar presente sempre. Esse ano apareceu um festival novo em Paris, chamado Entente Nocturne que significa “Acordo Nocturno”. O nome do festival vem do fato de 16 coletivos independentes se unirem para montar uma grande festa com vários palcos e estilos de música (Trance, Dub, Acid, House, Techno). A Reshuffle Music teve um palco sensacional onde convidamos o uruguaio Luis Malon e o label alemão Slow Life para tocar (Laurine o DJ Tree). O festival foi agora nos dias 12 e 13 de outubro 2018 e o resultado foi maravihoso, quase 6000 pessoas, muita alegria!

Qual é exatamente a sua ligação com o Brasil? Na sua opinião, quais são os principais destaques da nossa cena atualmente?

Minha ligação com o Brasil é simples: sou filho de carioca! Minha mãe é brasileira e meu pai português. Sou o primeiro francês da linha (risos). Mas tenho muita família aqui no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro.

Outra ligação que tenho é com Floripa, eu cheguei a morar lá um ano, estava em intercambio universitário e estudei administração na UDESC em 2012. Naquele ano eu tive oportunidade de dançar no Warung e participar da Tribaltech com vários amigos portugueses que eu conheci, foi demais! Me lembro do set da Magda, do GROMMA, Pillowtalk! Hoje sei que tem algumas festas florianopolitanas em destaque, como a TROOP. Estão na mesma pegada que nós. Em outras cidades, vi que existem festas ótimas também, em Carazinho no RS, o Marcelo de Carli tem convidado vários nomes geniais no club SKY: o DJ Koolt foi convidado lá e o elogiou muito. Recentemente foram celebrados os 13 anos do clube com o Junki Inoue. O clube também já viu nomes como Nicola Kazimir e Z@p… adoramos!

A cena brasileira tem muita coisa boa hoje, principalmente nesse movimento alternativo de festas independentes crescendo pra caramba! Penso na 1010 em BH, na Mamba Negra em SP e muitas outras! Quando eu estava em Paris, eu sempre ficava de olho no que estava acontecendo no Brasil, ficava trocando uma ideia com o Ney Faustini (que admiro muito!) e com o Paulo Boghosian. Uma festa que me marcou foi a Subdivisions em SP, já fui começando a conversar com a Bruna e até nos encontramos na Europa várias vezes, quando convidamos o Z@p, e também na Romênia, no Sunwaves Festival. Acabei encontrando também com o Oliver! Boas lembranças daquela pista ensolarada frente ao mar…

Mas recentemente, conheci o Felipe Callado, que criou a Gigloop e está trabalhando na França agora. Eu já estava no Brasil e apresentei ele ao Lemoan que ia tocar no Nouveau Casino uma noite, o Felipe foi e eles se conheceram. Até hoje ele tem me ajudado bastante! No Rio de Janeiro tenho me ligado com bastante gente e acho que a vontade consolidar a cena eletrônica está bem presente. Tokker (Gabriel Saber) é um super amigo. Além de DJ é uma pessoa fantástica. Ele me apresentou uma galera muito legal. Posso falar a mesma coisa do Craig Ouar, que criou a festa Domply no Rio. temos nos ajudado muito!

O Manara, nome indissociável da cena underground brasileira, com quem já estamos trabalhando sobre projetos musicais. Um festival que eu queria mencionar também, é o festival O MATO. Tive a honra de participar do evento no meio da Amazônia, um festival intimista com um lineup cinco estrelas. Lá eu conheci o Kaká Franco, excelente DJ e pessoa, conversamos muito!

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Emoção e conexões. Simplesmente. Encontrar e conhecer pessoas ao través da música é um prazer que não consigo descrever. Sendo assim, vamos conhecendo gente pelo mundo todo, unida pela mesma sensibilidade.

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