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A música conecta

A era do streaming e atual situação do mercado fonográfico no Brasil pelas palavras de Eduardo Ramos

Por Alan Medeiros em Entrevistas 11.04.2017

Há 15 anos, um dos presentes mais comuns nos amigos secretos de empresas, aniversários e datas especiais, eram os famosos vale compras em lojas de discos e CDs. Poder “tocar” um álbum de um artista preferido, ler o encarte, levar o disco para qualquer lugar era realmente fascinante. Para muitos, essa época não dava indícios que teria seu fim, mas teve.

A praticidade e agilidade proporcionada pelos arquivos digitais transformou o mercado e mudou pra sempre a forma como consumimos música. O streaming, alguns anos depois, provocou uma transformação ainda maior em todas as esferas da indústria. Desde o consumidor final, até a parte de planejamento estratégico das maiores gravadoras tiveram que se adequar. Tais mudanças geraram uma revolução quase que cultural que só foi possível graças a popularização da internet.

Soundcloud, YouTube e Spotify aproximaram os major labels dos selos independentes e isso passa muito pela existência e método de trabalho das distribuidoras, que basicamente conectam os selos e gravadoras as plataformas e lojas digitais. A Believe é uma das maiores distribuidoras do mundo e atua fortemente em países como Inglaterra, Estado sUnidos, Canada, Alemanha, Espanha, Brasil, Suécia e India. Por aqui, Eduardo Ramos é um dos cabeças da marca. Ele participou de um painel Questions&Answers no Alataj Conference Porto Alegre e há alguns dias respondeu uma entrevista exclusiva que você confere a seguir:

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1 – Olá, Eduardo! Obrigado por falar conosco. Os números do mercado do streaming crescem de maneira absurda no Brasil e no mundo. Atualmente, quem lidera o mercado? Há perspectiva de mudança desse cenário em um futuro breve?

Obrigado pela oportunidade! Este processo é irreversível, não existe outra opção melhor que o streaming. O download acabou virando um nicho e hoje em dia é uma opção para quem precisa do arquivo para basicamente tocar (um DJ por exemplo) ou um audiófilo que quer ter o arquivo descomprimido na melhor qualidade possível. Para o consumidor final, uma pessoa normal, não existe opção melhor do que o streaming.

2 – Quão prejudicial é a internet brasileira para o avanço do streaming no país?

A realidade do Brasil é complexa e não necessariamente o fato de que em alguns estados o acesso em casa/trabalho seja relativamente bom, significa que no resto do país acontece o mesmo. Eu tenho choques de realidade quando vou para o interior e vejo que em certos lugares o streaming está longe de ser uma realidade. Pen drives com músicas ripadas do Youtube ou conteúdo ilegal de sites de mp3 são a regra. Mas minha teoria é que para o streaming consolidar-se no Brasil, a situação econômica precisa melhorar pois isso dá acesso ao hardware (computadores, celulares e conexão) e software (serviço de streaming).

3 – Agora, sobre a Believe. Fale um pouco sobre o trabalho da distribuidora, artistas que representam e filosofia de trabalho. 

A Believe é a maior distribudora independente em atividade no mundo e a única realmente global com escritórios e representantes nos quatro cantos do planeta, portanto lidamos com todo tipo de música sem preconceito algum. Em alguns países existem gêneros um pouco mais representados e isso reflete um pouco com a música eletrônica pois a Believe trabalha com grandes nomes como Four Tet, Bjork, Browswood (selo do Gilles Peterson), Future Classic (com Flume, Chet Faker e Flight Facilities), Fatboy Slim e grandes nomes na França (onde a empresa tem sua sede). A filosofia de trabalho é sempre apoiar os selos e dar o melhor suporte para os lançamentos e cuidar bem do catálogo.

4 – Quais os planos da Believe para o Brasil? Vocês enxergam o mercado da música eletrônica com grande potencial ou os números ainda são ilusórios quando comparados a outros nichos?

A música eletrônica no Brasil só cresce no streaming mas ainda está longe do que imagino como ideal. Está acontecendo uma grande transição do Soundcloud para os outros serviços de streaming, mas o Soundcloud ainda responde por boa parte do movimento até pelas facilidades oferece para um DJ e produtores. Eu dedico uma parte do meu tempo a isso, tentando melhorar o trabalho com artistas que a Believe Brasil representa mas é um trabalho de longo prazo e um processo de educação mesmo, de explicar que o jogo é um pouco mais complicado e que requer muito planejamento.

5 – Atualmente, quais são os principais projetos da música eletrônica brasileira que estão sendo gerenciados pela Believe?

O primeiro selo que eu assinei quando eu entrei na Believe foi a Mamba Negra que dispensa comentários. A Cashu e a Laura respondem bem as sugestões e estão aprendendo com esta nova maneira de trabalhar. Alex Justino e o seu selo já trabalhavam com a Believe e agora eu estou acompanhando mais de perto. Acabei de fechar com a D-EDGE que trabalha com a Kompakt para o resto do mundo, e agora vamos começar a gerenciar os projetos para o Brasil e pensar em uma estratégia de longo prazo. A BLANCAh é assinada com um selo alemão e nós também estamos tentando organizar as coisas por aqui. Acabei de fechar com a Urban Soul que é um selo novo, mas que promete.

6 – Olhando para a cena num nível global, quais são as principais estratégias que você tem observado para divulgação de lançamentos dentro da plataforma Spotify?

Fazer com calma e cuidar planejamento. Raramente isto acontece pois no Brasil não existe uma cultura de planejamento na indústria fonográfica, então a maior dificuldade é esta. Um disco bem organizado e com um plano de mídia/divulgação (explicando como vai acontecer o lançamento) é o ideal. O Spotify receber centenas de pedido de destaque, mas antes de pensar o nisso o artista tem que criar algo com seu próprio público.

7 – Atualmente, quão difícil é para um artista independente ter contato direto com as principais plataformas digitais? Na sua visão, falta suporte para esse tipo de profissional?

Falar direto com o Spotify por exemplo? Não é impossível conseguir isso mas você imagina quantos e-mails por dia, ligações e coisas do tipo esta pessoa recebe? Existe uma certa inteligência na hora de pedir o destaque, não pode ser algo “por favor me ajuda” e acho que este tipo de informação, que alguém que lida com isso (o chamado trade marketing), segue algumas regras. Então mesmo que você consiga o contato da pessoa que cuida disso, pense que você tem que ir com um plano, não apenas com a paixão. E isso com todos os players, absolutamente todos. É como mandar um e-mail na cara dura para um club falando: “preciso tocar ai, sou gênio”. Então o que eu recomendo é: sempre trabalhe com uma distribuidora que preste atendimento, que explique como a coisa funciona.
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8 – Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Tudo. O que tem um lado ruim e bom, porque eu não vejo música apenas como ligar o som e curtir. Tem este lado profissional que as vezes tem mais a ver com planilhas de excel ou ficar mandando 3000 e-mails do que efetivamente escutar música. Você acaba ficando um pouco mais chato com a coisa toda, leva para outro lado e passa a criticar tudo. As vezes é bom sair e esquecer tudo, mas cada vez é mais difícil. Mas as vezes quando eu estou mais desgastado, alguém me manda uma música ou me liga e conta de algo que está fazendo e isso acaba reenergizando. Eu meio que vivo destes momentos hoje em dia… Ou de escutar um disco que eu descobri no sábado cedo.
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