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A música conecta

Radiosfera | Episódio 3: Sound Factory, the best party in São Paulo

Berço do underground paulistano nos noventa, a Zona Leste de São Paulo foi o ponto focal de muitos movimentos que se tornaram parte do grande acervo cultural que a metrópole hoje exibe como parte de sua história e terra natal de muitos dos artistas que compõem o panteão de fundadores e inovadores que contribuíram — cada um a seu modo e em gêneros os mais diversos — para colocar a cidade no panorama global da club culture. A história e a glória dessa vasta região paulistana é bem ancorada em certas instituições que fizeram de sua vida noturna um terreno fértil para o surgimento de lendas e heróis, lugares onde muitas coisas foram descobertas e tantas outras criadas.

Toco, Overnight, Contramão, Curto Circuito… a lista é grande e os respectivos residentes — o âmago da identidade de um club, ainda mais naqueles tempos — foram centrais nessa tarefa. Entretanto, um deles acabou por figurar entre os mais ousados e revolucionários de seu tempo, a Sound Factory. Batizado como uma homenagem ao club homônimo e contemporâneo de Nova York em que gente como Dave Morales e Junior Vasquez fizeram seu renome, a casa da Penha se firmou como o epicentro das novidades musicais do entorno e incubadora dos talentos de baluartes do underground.

Nesse seleto grupo, contamos seletores, produtores, promotores e agitadores que se tornariam célebres, essenciais para o desenvolvimento posterior da cena brasileira como um todo, aqui contamos nomes como os de Marky, Julião e Oswaldo, hoje conhecido como Mr. Groove, sócio-fundador e também residente do club. Eles eram o segredo da crescente notoriedade dessa instituição musical paulistana devido ao arrojo e forte identidade que a ela imprimiam de modos bem particulares. Os estilos distintos abrangiam uma ampla gama de gêneros, mas eram associados a cada figura respectivamente como sua bandeira pessoal: Julião era o techno, Marky era o jungle/hardcore e Oswaldo era o house.

Era com esse colorido repertório que o programa Sound Factory na Radio Metropolitana animava os finais de sábado à tarde e dava uma vaga ideia do que rolava, ao menos sonoramente, num dos clubs mais fervidos da capital paulista. Ele durou gloriosos três anos, nos quais reinava praticamente absoluto no dia de todos os ouvintes cujas preferências pendiam para a vanguarda da música eletrônica dançante àquela época durante horários que inicialmente iam das 18:00 até as 20:00 e depois recobriam período entre as 19:00 e as 20:00.

A união foi, além de profícua, extremamente fortuita, já que a Metropolitana encabeçava um movimento de tomada das rádios FM paulistana pelo ritmo que então se tornava a principal força motriz das narrativas urbanas da periferia: o Hip Hop. Isto se dava principalmente pelos esforços do radialista Armando Martins, que então se tornava um dos principais responsáveis pelo crescente sucesso de artistas como Thaíde & DJ Hum, Pepeu e, claro, os Racionais MCs,cuja expertise adquirida na Nova FM em seus áureos tempos de campeã da Dance Music usou para comandar a Metrô logo em seguida.

Assim, foi nos corredores de sua predecessora, que se originaram tanto a afinidade da emissora com essas musicalidades, tornando-se algo intrínseco à sua proposta, quanto a amizade de Armando e Oswaldo, o qual agora teria uma plataforma de divulgação para seu recém-inaugurado club. A outra era a Discomania, sua loja de discos sediada na lendária Galeria Presidente da Rua 24 de Maio, epicentro do comércio musical afro-brasileiro no centro da cidade. Segundo ele mesmo, tudo se encaixou da seguinte forma:

“Então, foi o casamento perfeito, pois eu já tinha a Discomania desde 1987 e sempre trabalhei com importação de discos e acessórios para DJs. A loja me abria um ótimo caminho em relação ao acesso das músicas antes do disco ir para o balcão eu escutava todos muitos deles chegavam primeiro para mim o praticamente não existia acesso a internet como hoje. Os DJs dependiam dos lojistas e importadores, eu era um deles e usei muito desta ferramenta ao meu favor, a pista do Sound Factory Club era uma verdadeira hitmaker, ou seja, saímos na frente e fazíamos centenas de hits, algo que não existe mais na cena de hoje. E automaticamente as tracks eram tocadas na rádio, existia uma excelente forma de tocar e divulgar nosso trabalho isto nos tornou por vários meses líder de audiência no nosso horário pela Metrô FM.”

O programa propriamente dito se dividia em três ou quatro blocos, cada um liderado por um dos residentes. Os estilos individuais bastante distintivos transpareciam para qualquer um minimamente familiarizado com o som de seu seletor predileto e, através deles, também a magia criada nos estúdios que procurava emular a energia gerada na pista da Sound. O resultado eram momentos de imenso prazer aural e descoberta de um universo musical e comportamental totalmente novo, radical e diverso. Esta era a vibração semanal trazida para as casas de um sem-número de jovens ávidos por novidades dentro do leque de suas esotéricas preferências musicais e que acompanhavam fielmente cada episódio.

Tudo era bastante inovador e acolhedor, mesmo para aqueles tempos tão despretensiosos nos quais nossa cultura ainda engatinhava enquanto se inventava, e o clima do programa procurava conjurar a atmosfera festiva da casa, transcendendo a esfera propriamente musical. Aqui mais uma vez o próprio Oswaldo revela o segredo por trás da força desses momentos no ar:

“Quando resolvi fazer o programa do Sound Factory Club sabia que precisaria levar as personalidades que faziam parte e atuavam no Club. Luana Malukat era a nossa promoter e ela adorava participar e dar seu ‘belo close’, como ela mesma dizia. E todos os DJs, eu, Oswaldo Jr., Julião, Markyatuamos no primeiro ano do programa, na sequência vieram Grace Kelly Dum, Elia Simeoni, Gu, Erê e Yes América, integrando nosso time. […] A maioria dos DJs internacionais que tocaram no Sound Factory Club participaram na radio conosco, me lembro sim de todos e a grande maioria deles era a primeira vez tocando no Brasil, só peso pesado da cena eletrônica mundial, muito antes de grandes festivais como Skol Beats e das raves! Laurent Garnier, Armand Van Helden, Erick Morillo, Josh Wink, Slam, Miss Djax, Little Louie Vega, Mike Dearborn e mais alguns que não me lembro agora…”

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As personagens faziam da casa um lugar único em tantas noites memoráveis, então era natural que também ajudassem a fazer do programa algo similar. Assim, ainda que o eixo principal de tudo fosse a variedade de ritmos com que os DJs dialogavam com o público, o elemento humano que circunda essa relação e a torna possível sempre estava presente em nossos home stereos a cada fim de tarde de sábado.

E, assim, tanto o club como sua expressão radiofônica foram cruciais para formar e informar uma geração inteira de clubbers, cybermanos, jungueiros e tantos outros grupos que fizeram da colorida fauna que habitava a vida noturna de São Paulo um de seus principais movimentos culturais no decorrer daquela década.

A música conecta.

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