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Memórias | Litoral catarinense: das temporadas de verão ao glamour internacional

Por Ágatha Prado em Memórias 27.10.2020

Uma das regiões com as mais belas praias do país, o litoral catarinense movimenta cerca de 5 milhões de turistas por ano, sendo o ponto de encontro mais badalado durante as temporadas de verão do sul do Brasil. Além da esfera turística, o litoral norte catarinense concentra dois dos principais clubs de música eletrônica do mundo. O Warung Beach Club e o Green Valley são referências mundiais no nosso cenário, e colaboraram para que nas duas últimas décadas a região fosse destino favorito dos principais nomes internacionais da música eletrônica.

Apesar de grande foco, a cultura da música eletrônica catarinense é relativamente jovem e recente. A cena, fortalecida pelas temporadas de veraneio, começou com a força da Dance Music em território nacional em meados da década de 90, acostumando a juventude sob as luzes do globo e aos hits do estilo que dominava o mainstream da música eletrônica, desenvolvendo-se paulatinamente até 2002 até receber a grande revolução proporcionada pelo Warung Beach Club. 

Nessa edição especial da série Memórias vamos viajar na máquina do tempo para a metade da década de 90, passando pelo Vale do Itajaí e posteriormente pela capital catarinense, Florianópolis, relembrando os grandes momentos, experiências e lembranças do circuito que hoje é referência em âmbito mundial. Recordaremos algumas memórias, insights e reflexões de três nomes que tiveram importantes papéis na transformação deste cenário: Igor Mattar (Legends – SC), Gustavo Rassi (Legends – SC, Warung) e Eduard Marquardt (Troop).

Lembranças das noites de verão

O que hoje é reconhecido como polo nacional e internacional da música eletrônica, tem seus primórdios efetivos a partir dos anos 2000, porém anteriormente alguns passos e projetos foram experimentados, para que a circuito se fortalecesse da maneira como conhecemos hoje. 

Tudo se iniciava em Balneário Camboriú, que abrigava uma das noites mais quentes do Sul do país, especialmente na segunda metade da década de 90. Lugares como Rancho Maria’s e Mein Bier ensaiavam a cultura do Dance Music na cidade, incorporando ao sucesso da música Pop, os hits do Eurodance que emplacavam grande sucesso mundial. Porém, foi o Baturité, com a cena do Dance Music de Balneário Camboriú, que passou a ser referência regional, sendo o precursor da cena noturna local. Mesmo com festas que rolavam sazonalmente, o club fundado em 1980 era localizado na região da Barra Sul e tinha sua cabine dominada por DJ Celso. Residente oficial da casa por 20 anos, Celso influenciou muitos dos apaixonados pela música em Balneário, sendo um dos nomes mais reverenciados do cenário da cidade até hoje, consolidando uma lista de discípulos como DJ Handersson, que também se tornou um importante residente do espaço.

Até então, o que predominava nas noites praianas ainda eram o que havia de mais comercial dentro da estética do Dance Music, seja através dos sucessos de La Bouche, Double You, Ace of Base, ou dos diversos hits que marcavam presença nas rádios do momento. 

Balneário Camboriú ganharia suas primeiras experiências com a música eletrônica de fato, sobretudo através do House e Techno, com a chegada da grande casa noturna curitibana da época, em 1997, para a cidade. A icônica Legends, de propriedade de Igor Mattar e parceria de Gustavo Rassi, faria sua experiência de verão trazendo a amostra do movimento que ganhava força na capital paranaense.  “Desde criança acompanhei a evolução das noites de Balneário Camboriú e, até a chegada da Legends, a cidade não tinha suas portas abertas para a música eletrônica propriamente dita.” explica Igor. Porém, a experiência Legends em Balneário foi breve o suficiente para durar o verão de 96 para 97, que assim como em Curitiba, a presença do local despertou o prenúncio de novos lugares que seguiriam na construção do movimento clubber local, como foi com os espaços Ibiza Balneário, Djunn e Camorra.

“A cena se fixou mesmo em Balneário Camboriú com a vinda do Warung Beach Club, que foi quem colocou tanto Itajaí como Balneário no mapa global. Isso coincidiu com a mudança de frequência do público que frequentava essas cidades, o que era um tanto sombrio até o fim da década de 90 passou a ser revitalizado com o desenvolvimento do Club.” comenta Igor.

Dois clubes e uma revolução

Com a virada do milênio, os rumos das noites da região do Vale do Itajaí encontrariam também sua grande virada. Apesar das importantes experiências noventistas, a cultura clubber na região ainda era frágil e sua referência alcançava apenas o âmbito regional, sem grande relevância entre o movimento que se alastrava e já era muito forte em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre. Porém, foi em novembro de 2002 que um fenômeno sem precedentes nas memórias noturnas praianas, levou a região para a posição de polo da música eletrônica mundial. 

Tudo começou com a iniciativa de Gustavo Conti, que ainda em Curitiba e tocava o estabelecimento Rave Club durante o final da década de 90. A Rave Club foi uma das grandes responsáveis por movimentar a noite da capital paranaense, fortalecendo e emplacando como grande referência da cena da música eletrônica paranaense. Conti levou a marca para o litoral catarinense e, junto a Gustavo Rassi, realizaram diversas festas e eventos na região de Balneário Camboriú.

Foi da união entre os talentos visionários de Conti e Rassi, bem como o surgimento de uma grande oportunidade na região da Praia Brava em Itajaí, que se iniciaria um dos maiores e mais importantes estabelecimentos do mercado da música eletrônica nacional. “Acredito que o fator que nos fez estabelecer o Warung Beach Club no litoral norte catarinense foi a própria vocação que Balneário Camboriú e Itajaí juntas têm para o turismo e o histórico de night clubs na região. Outra questão foi a oportunidade que apareceu com aquele terreno em 2001”, explica Rassi sobre a escolha do local para o empreendimento.

Inaugurado em novembro de 2002, o Warung hoje é classificado como um dos principais clubs do planeta, com sua estrutura apaixonante em meio à natureza, e de frente para uma das praias mais belas da região. O “templo”, como é chamado por seus frequentadores, já recebeu os principais artistas do cenário mundial, incluindo Carl Cox, Solomun, Jamie Jones, Maceo Plex, Nina Kraviz entre inúmeros outros grandes nomes da indústria. “O que levou à criação do Warung foi a vontade de dar o próximo passo. Trazer a cultura do DJ para a região. Trazer artistas relevantes mundialmente, explicar para os frequentadores do clube o trabalho de cada artista, as linhas musicais, enfim fazer este trabalho de formiguinha, semana após semana”, comenta Rassi.

Completando 18 anos de atividades, o Warung foi o grande divisor de águas no ponto de vista comportamental e cultural dos frequentadores da noite praiana. O público passava a entender e consumir a música eletrônica como um lifestyle, estreitando suas relações com o dancefloor.  “Nestes 18 anos a Cultura Clubber evoluiu muito, tanto pela velocidade das informações na internet, como pelo fato das pessoas viajarem muito mais do que antes. Mas acima de tudo as mudanças ocorreram pelos 18 anos de atividade do Warung (e também de outros clubs) na região. Hoje as pessoas conhecem a fundo os artistas que estão indo ver, opinam, pedem artistas. A promoção mudou muito também e a interação com o público é bem maior. Difícil é pensar o que esperar dos próximos 18 anos!”, completa Gustavo Rassi.

Ainda na região, em 2007 o que começou como uma tenda improvisada no litoral de Balneário Camboriú, se tornaria outro gigante das noites da música eletrônica mundial. O Green Valley tem grande papel no molde da cena eletrônica nacional. Em seu segundo ano de atividades em 2008, o club já condecorava o prêmio de “destaque do ano” e “melhor super club” pela Cool awards, sendo também eleito o melhor clube do mundo pela Dj Mag.

Construído em meio à Mata Atlântica e completando 13 anos de atividades, o club já recebeu os principais nomes da cena eletrônica mainstream mundial como Martin Garrix, Tiesto, David Guetta, Kaskade, Armin Van Buuren e Fatboy Slim, transformando o cenário com tecnologia, qualidade e excelente infra-estrutura que revolucionou os paradigmas de consumo da música na região.

Florianópolis, do Rock à Eletrônica

A capital catarinense hoje conta com uma cena plural, difusa e fortemente representativa, sobretudo através dos núcleos e label parties independentes que movimentam a cultura eletrônica da cidade e hoje figuram como grandes referências para o movimento Underground nacional. Apesar de também recente, o cenário é fortemente consolidado, tanto pela colaboratividade entre os núcleos e clubs, como também pela participação ativa crescente de um público que vem aprendendo a consumir cada vez mais a música eletrônica.

De uma cena que emergiu das influências do Rock n Roll e Indie, Florianópolis abrigava suas gloriosas casas noturnas como Pacha, Confraria das Artes e Clube Concorde, porém o foco sonoro não era voltado para as atmosferas do House e muito menos do Techno. Assim como na era pré-Warung no litoral norte catarinense, Florianópolis consumia o estilo que era o mainstream do momento, como a Dance Music que chegava forte na região através dos festivais nas tendas da Praia Mole. 

Eduard Marquardt, amante da música desde muito cedo,  DJ e pesquisador de longos anos e residente da Troop, é também um frequentador veterano das noites da Ilha desde 1996, e viu de perto o desenvolvimento do cenário eletrônico da capital. “Minhas primeiras lembranças são na Praia Mole, em 2000, com uma tenda da Skol. O hit era Love Story, do L&B. Era também o momento do Drum ’n’ Bass invadindo gêneros tradicionais. A melhor lembrança dessas tardes na Mole foi ouvir alguém tocar Knuddelmaus, do Ulrich Schnauss. Além disso, havia a Lupus, no início da SC-401, era um lugar gigante e pelo que lembro naquela época tocava algo no sentido de hard style. Ainda no início dos anos 2000 a lagoa teve o Conceição Nite, em frente ao posto Galo. Tenho a vaga lembrança de ver o Mau Mau tocando”, relembra Eduard. 

Conforme os anos 2000 fechava sua primeira década, o cenário da cidade se consolidava cada vez mais, e o cenário Underground se fortalecendo. Festas como a Devassa, que contava com Alejandro Ahmed nas cabines, bem como a Teknopolis que explorava as vertentes do Techno e Hard Techno e contava com as residências de Edo, Tiago, Kadro, e apresentações de Fernanda Martins, Renato Lopes e Nick Curly.  “Naquela época, você tinha que fazer a festa. Antes da Sounds in da City, lembro que o Ricardo Lin andava com uma caixa mista no porta malas. A gente ligava numa das tomadas do Trapiche da Beira- Mar e ficava até a polícia chegar”, comenta Eduard sobre a festa que tocava em 2009, chamada Trapiche.

A partir de 2010, muitos núcleos independentes ganhavam mais força ainda na cidade. A Sounds in da City, idealizada e comandada por Allen Rosa, foi um desses núcleos que abriu as portas para o fortalecimento do cenário da cidade, e que hoje já completa 10 anos de existência e resistência na capital catarinense. Além de Rosa, Caetano Welter, idealizador da Troop, também teve um grande papel, sendo responsável por trazer grandes nomes internacionais para a cidade, como Moodymann, Ryan Elliott e Fred. P, através de uma iniciativa totalmente independente e por fora de todo circuito ativado no país.  

Hoj, Florianópolis conta com diversos núcleos, clubes e uma cena forte da música eletrônica, que provam que música, cultura e arte colaboram conjuntamente para o exercício de uma função social e política positiva na capital.

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