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A música conecta

Soul Beats | Kemistry & Storm

Por Laura Marcon em Soul Beats 10.03.2021

Dentre os estilos sonoros que compõem o universo da música eletrônica, todos são dominantemente masculinos, ainda que os movimentos para um cenário mais horizontal estejam se fortalecendo ao longo dos anos. Inegável é que, desde os primórdios, grandes mulheres fizeram parte da evolução e propagação da música, de Donna Summer e Ultra Nate a Ellen Allien e Miss Kittin, todas enfrentando ambientes considerados inóspitos e lutaram bravamente para conquistar seu espaço e respeito. Entre os artistas do Drum’n Bass o cenário não foi diferente e, na semana da mulher, o Soul Beats de hoje homenageia um projeto feminino que fez grandiosidades dentro do estilo e deixou um legado indelével em sua história.

Infelizmente falaremos de um projeto que não existe mais e por um triste motivo, mas os oito anos de atividade (1991 – 1999) foram suficientes para que Valerie Olukemi A “Kemi” Olusanya e Jayne Conneely construíssem uma carreira de frutos eternos. Kemistry & Storm não apenas lançaram criações musicais relevantes dentro do estúdio e participaram do movimento pioneiro da vertente, como também foram peças-chave na fundação e administração da maior gravadora de Drum’n Bass de todos os tempos. Pensou em Metalheadz? Pois então, essa mesma.

Assim como acontece em trabalhos de todas as frentes do mundo, para muitos fãs, a imagem do gigante label está completamente ligada ao enérgico DJ, produtor (e homem) Goldie. É claro que ele tem uma boa parcela de contribuição para o alcance que a gravadora conquistou, mas foram as britânicas Kemistry & Storm que moldaram a marca do Metalheadz com grandes colaborações e um trabalho impecável, principalmente em seus primeiros passos, em 1994. Logística, comunicação de imprensa e curadoria musical eram apenas algumas das funções exercidas pela dupla.

Como DJs, elas foram pioneiras em um campo majoritariamente masculino, com uma construção sonora consistente, misturando acordes um tanto quanto celestiais com ritmos industriais intensos. Assim como aconteceu na gravadora, o início da carreira foi marcado pela imagem masculina de Goldie, que levava sua imagem como MC. Foi apenas quando as carreiras dele e das meninas obrigaram uma separação por questões de agenda que profissionais do cenário souberam que tratava-se de um projeto feminino. 

As artistas tiveram um bocado de paciência e entenderam que, como mulheres, precisariam ser estratégicas para conquistar seu espaço. Em uma entrevista para o The Guardian, DJ Storm conta que  “quando as pessoas ligavam depois de ouvir nossas fitas, eu dizia que estava cuidando desses DJs em vez de nós sermos as DJs. Então nós aparecíamos para a gig e eles diziam: ‘Oh – vocês são garotas? E são duas!’. Queríamos apenas ser julgadas se éramos boas ou não”.

A precisão no trabalho dentro das cabines era tamanha que elas entregaram sets memoráveis em sua história. O maior destaque fica com o mix apresentado para a grandiosa série DJ-Kicks, em 1999, que é considerado um dos mais influentes do Drum’n Bass de todas as edições apresentadas. Elas também foram residentes do influente club Speed ​​In London e apresentaram programas de rádio nas estações piratas Touchdown FM, Defection FM e Underground FM.

Infelizmente, na manhã do dia 25 de abril de 1999, quando retornavam de uma gig, o carro que conduzia a dupla foi de encontro a uma placa de sinalização que atingiu Valerie “Kemistry”, que faleceu no local. Sua morte abalou a cena Drum’n Bass e ainda mais a companheira, que pensou em desistir da música. Porém, encorajada por muitos colegas, ela seguiu carreira solo, tocando até hoje faixas do projeto, compartilhando sets da dupla e fazendo lindas homenagens ao que ela conta serem os melhores anos da vida dela. 

Que o legado de Kemistry & Storm siga atingindo homens e principalmente mulheres para que um cenário desfavorável não seja motivo de desestímulo e sim motivo de coragem, determinação e perseverança na conquista de um sonho. Tudo é possível.

A música conecta.

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