A história da música eletrônica no Brasil é escrita por alguns personagens que transformaram a cena de cidades, estados e até mesmo do país como um todo, através de um trabalho que vai além dos palcos. O carioca Leo Janeiro – abençoado com parte do nome de sua cidade natal – é uma dessas figuras. Envolvido com a música eletrônica desde o final dos anos 90, ele segue no pelotão principal de artistas brasileiros que possuem uma carreira ativa, tocando nos eventos mais importantes do país e lançando faixas que contribuem para firmar o Brasil como um grande polo de produtores dentro da cena internacional
Mas como falamos anteriormente, o trabalho de Leo não se limita aos palcos, ou até mesmo ao estúdio. Grande entusiasta musical, ele já se envolveu com diferentes e variados projetos, que contribuíram e seguem contribuindo para o crescimento sustentável do mercado no Brasil. Na Cidade Maravilhosa, ele criou a festa Bootleg, que até hoje é um expoente da cena undeground carioca. Já há alguns anos, Leo Janeiro é um dos responsáveis pela curadoria do Rio Music Conference, evento que reúne os profissionais do mercado brasileiro em edições regionais e internacionais ao longo do ano. Ele também é um dos responsáveis por dirigir a Warung Recordings, atual campeã do prêmio RMC na categoria “Selo”.
Os anos de estudos e aprendizados na pista e fora dela, trouxeram a Leo Janeiro a experiência necessária para exercer o papel de um embaixador da música eletrônica made in Brazil. Leo possui apresentações importantes em eventos fora do país, foi um dos 5 convidados para a primeira e única edição do Boiler Room no Rio de Janeiro e já assinou lançamentos por labels como Suara, D.O.C, Go Deeva, Erase e Not For Us. Com quase 20 anos de carreira completados, Leo Janeiro entende a importância dos papeis que exerce e transmite um equilíbrio profissional admirável, que fica claro nessa entrevista que você lê com exclusividade aqui no Alataj.
O retorno de Leo ao nosso portal também vem acompanhado de um novo podcast. Em 2014, ele foi nosso convidado especial para assinar a edição de número 100. Quase 2 anos depois ele retorna para assinar o podcast de número 224. Welcome back, Leo!
A música conecta as pessoas!
1 – Léo, é incrível poder falar com você novamente. Sabemos que tu és um dos personagens mais ativos da cena carioca já há alguns anos. Como você enxerga o trabalho desenvolvido até aqui e de que forma a efervescência cultural do Rio contribuiu para sua formação artística?
O Rio de Janeiro é uma cidade muito rica em termos de cultura, com uma grande diversidade musical. Ter acesso a diferentes ritmos e artistas influenciou o meu som desde o princípio. Atualmente, temos uma cena consolidada, com novos nomes surgindo a todo momento. Isso é essencial para a renovação do público.
Há 12 anos, produzo a minha própria festa – Bootleg – com alguns amigos. O Rio possui algumas peculiaridades. Aqui as festas costumam mudar o local a cada edição. Porém, já tivemos clubs incríveis como Dr.Smith, Bunker, Dama de Ferro, entre outros. Hoje em dia, acredito que temos uma cena de clubs mais reduzida, porém lugares como o Fosfobox, em Copacabana, e 00, na Gávea, mantém um trabalho bacana.
2 – Tua carreira possui uma identidade fortemente ligada a house music, que é uma das vertentes mais apaixonantes dentro da música eletrônica. Como funciona tua pesquisa musical e quem são, atualmente, os produtores que estão mais evidentes no seu radar?
Eu cresci ouvindo House Music, mas sempre fui um DJ que gosta de pesquisar de tudo. No momento, sinto isso ainda mais forte. É importante ter um background, porém, considero essencial a busca por novas sonoridades. Quando viajo para fora tento focar em artistas que não conheço, vou a festas de DJs que ainda não tive oportunidade de ver, justamente para pesquisar. Minhas fontes hoje são podcasts, sets, viagens, alguns blogs e, principalmente, minhas andanças pela internet.
3 – Você é o curador do Rio Music Conference, evento que tem somado muito ao mercado nacional nos últimos anos. Fale um pouco mais a respeito desse trabalho
O Rio Music Conference é uma excelente iniciativa, que proporciona diversas discussões com o objetivo de desenvolver a nossa cena, conectando e estimulando as pessoas do nosso meio. O trabalho de curadoria é colaborativo. Busco saber a opinião e ideias das pessoas ao redor e do público. Quase 50% da programação nasce dessa forma. É interessante, pois essas sugestões ajudam a tornar a conferência participativa e sempre com temas relevantes. Acredito que para esse tipo de curadoria isso é o mais importante: saber ouvir mais do que falar!
4 – Outra ocupação sua fora da cabine são os trabalhos com a Warung Recordings, que levou o prêmio de Melhor Gravadora na última edição do RMC. Como tem sido desenvolver esse trabalho por lá e quais são as novidades para 2016 no label?
O selo é o braço musical do Warung Beach Club e segue a mesma linguagem sonora do Templo. Nosso objetivo é dar espaço a artistas brasileiros e criar parcerias com artistas gringos, lançando um material único. Já tivemos resultados incríveis, porém, buscamos uma constante evolução. É um projeto muito gratificante, mas não faço isso sozinho, há um excelente time dentro do selo que ajuda e muito.
Em 2016, queremos crescer ainda mais, mostrando novos artistas e trazendo alguns dos nossos parceiros internacionais para dentro. Em abril, vamos lançar um VA especial com 10 faixas incríveis. O mais difícil é escolher diante de tanto coisa boa que recebemos.
5 – Vocé um dos residentes mais icônicos do lendário Warung Beach Club e também do MOB e Beehive. Fale um pouco sobre a experiência que essas pistas trouxeram para você
Eu sou muito agradecido a todos. Vou falar sobre cada um em ordem cronológica:
Mob – Muito importante ter tido esta oportunidade. Foi incrível ver como uma festa no barco se tornou algo tão especial, crescendo a cada ano. Fiz uma série de CDs mixados que até hoje muita gente tem como lembrança. Espero que, em breve, o MOB possa voltar, deixou saudades.
Warung – O Templo é um lugar muito especial. Quando eu recebi o convite, demorou até a ficha cair. Uma residência não se resume apenas a chegar e tocar. Para mim, o artista representa aquele conceito, história e tento ajudar sempre que é possível. Fazer parte deste time de residentes do club é realmente incrível, cada um com sua identidade musical ajuda a construir uma diversidade muito importante. Uma frase resume: “It’s the place where dreams come true”.
Beehive – Imagine um club em uma cidade do interior com um público incrível e uma arquitetura sensacional. Com certeza absoluta um dos melhores clubs do pais. Vida longa a Bee!
6 – Estados Unidos, Espanha, Holanda e Alemanha são alguns dos países que você já levou sua música. Na tua visão, quais são as principais diferenças do público destes países para o brasileiro?
Fora do país, principalmente na Europa, existe uma cultura já bem estabelecida de clubs, festas e festivais. Isso faz com que o público tenha acesso à uma oferta maior de eventos, o que contribui para o conhecimento da música eletrônica mais a fundo. Porém, o Brasil tem evoluído cada vez mais nesse sentido, com a chegada de grandes festivais internacionais e nacionais, a cena de clubs se consolidando cada vez mais e o surgimento de novos artistas. A cena brasileira nunca esteve tão movimentada e o crescimento do público é visível.
7 – Ano passado você teve lançamentos importantes por labels como Go Deeva, Suara e Mr. Carter. Em meio uma rotina tão agitada de trabalho, gigs e tudo mais, como funciona teu processo criativo no estúdio?
Foi um ano bacana, mas em 2016 vamos com o pé no acelerador! [risos] Consegui montar o meu home studio e estou trabalhando bastante. Agora, o objetivo é evoluir cada vez mais, sempre buscando um resultado que tenha o meu DNA.
Escuto muito coisa que é lançada atualmente. Algumas me agradam, outras nem tanto. Mas essa pesquisa é muito importante para o processo criativo. Sigo as minhas próprias ideias e tentar replicar isso no estúdio é um desafio que, atualmente, estou gostando muito. Esse ano posso adiantar: um EP pela D.O.C. do Gui Boratto, um em parceria com o Sonny Fodera pelo Warung Rec e uma compilação mixada para o final do ano.
8 – O Brasil vive um período de grande recessão econômica mas na contra-mão disso estamos finalizando um verão que teve uma agenda lotada de festas nos principais clubs do país. Na tua visão, qual tem sido a estratégia para as marcas nacionais estão utilizando para continuar operando em alto nível?
Eu tenho conversado com vários amigos DJs/Produtores. É um momento conturbado que, infelizmente, vamos ter de enfrentar. O dólar alto faz com que muitos clubs e eventos invistam mais em artistas brasileiros, o que é bom para a cena nacional. Porém, as complicações econômicas dificultam o surgimento de novos clubs e a realização de eventos, algo essencial para a roda girar. Tento trabalhar normalmente e focar no que realmente importa: a música.
9 – O que podemos esperar neste seu retorno ao Alaplay Podcast?
Eu gosto de muita coisa em termos de música. Minhas raízes são do House, mas tento através dos meus sets mostrar um pouco de como enxergo aquele momento em especifico. Acho que um bom DJ tem que surpreender e contar uma história.
Neste set, vamos encontrar artistas como Dj W!LD, Djebali, 3 Channels, Sthephane Guenacia, Stimming & Renato Ratier, entre outros. Além disso, coloquei uma faixa minha com o Julio Torres, chamada Back to Basics, que será lançada em abril pelo Warung Rec.
10 – Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música eletrônica representa na tua vida?
Excelente pergunta. Costumo dizer que encontrei o meu modo de vida na música eletrônica. Através dela, conheci diversos lugares especiais e fiz amigos para a vida toda. Fico muito feliz de fazer parte de algo tão importante para a vida das pessoas.