Uma pista de dança cuja simples existência é vista como provocação e inspiração de um movimento social e político. Assim é o club Bassiani, considerado uma das maiores mecas do Techno contemporâneo e que é exemplo de resistência e liberdade em um país de políticas altamente conservadoras.
Estamos falando da Geórgia, um pequeno país de mais de três milhões de habitantes, situado em uma região que mescla a Europa Oriental e Ásia Central, fazendo divisa com a Turquia e a Armênia e praias no Mar Negro. É uma antiga república soviética que ainda carrega marcas políticas dessa ruptura, mesmo 30 anos depois. A maior parte da população da Geórgia se concentra em sua capital Tbilisi, onde fica situado o club.
Para entender a potência cultural do club para a Geórgia, é preciso entender que o país possui uma história sofrida, envolta à guerras, queimadas (diz-se que o país já foi literalmente queimado dezenas de vezes) e muita pobreza. Para se ter ideia, há menos de 30 anos o país sequer possuía energia elétrica em boa parte do seu território e ainda vem passando por grandes transformações nos últimos tempos. O Bassiani faz parte desse movimento.
Estamos falando de um país extremista em seu aspecto mais retrógrado para nós. A Geórgia pune violentamente a comunidade LGBTQI+ e manifestações contrárias à homofobia são barradas de forma brutal. O país também recrimina práticas como o veganismo com ataques a comunidades e estabelecimentos, e possui uma política de drogas muito rígida, punindo usuários em anos de reclusão, sem direito de regressão de regime.
Foi em meio a esse cenário que, em 2013, nasceu o Bassiani. A princípio era uma festa que acontecia dentro de “tubos” arquitetônicos inacabados e abandonados. Em 2014, a festa recebeu casa própria e hoje está situada no porão da Dinamo Arena, maior complexo esportivo da cidade e estádio de futebol nacional da Geórgia. O local exato cedido para o club foi a área da piscina, que está exatamente no meio de sua grande pista de dança.
Entre labirintos de concreto, soundsystem imponentes e iluminação minimalista, Bassiani é um reduto seguro para a liberdade sexual e de expressão do país. Sendo assim, o que acontece ali, permanece ali e com segurança. A começar pelo sistema de reconhecimento facial linkado com o Facebook. A compra de ingresso online é condicionada à apresentação do perfil da rede social. Ainda que os donos não fiquem felizes com o sistema, eles dizem ser necessário para manter a segurança do público e identificar possíveis opressores.
O local se divide em duas pistas de dança, sendo uma a principal e a outra chamada de Horoom, espaço dedicado à comunidade LGBTQI+. Uma vez lá dentro, diz-se que o relógio é deixado de lado e a experiência é única. Não apenas por apresentar sets dos mais conceituados nomes do Techno mundial – que incluem seus residentes, que através do Bassiani invadiram os clubs europeus -, mas principalmente pela vibração única da pista de dança, que entende o caráter social e político daquele movimento e vai muito além da diversão.
Por certo que essa “afronta” às ideologias sociais políticas da Geórgia encontra dificuldades para manter-se em funcionamento, ainda que seja inegável a contribuição do club para o turismo, já que atrai amantes do Techno do mundo todo. Mas foi em maio de 2018 que eles sofreram o maior ataque de sua história, resultando no que consideramos a manifestação mais expressiva do direito à dança e à liberdade de todos os tempos na música eletrônica.
Foi no início dos trabalhos do final de semana que os clubs Bassiani e Club Gallery sofreram ataques de policiais armados. A justificativa da polícia é que os estabelecimentos eram responsáveis pelo falecimento de cinco jovens, que lá teriam consumido drogas, o que de fato não ocorreu. Neste mesmo ataque, dois dos sócios do Bassiani, Tato Getia e Zviad Gelbakhiani, foram levados à delegacia e detidos por horas, sem qualquer respaldo legal.
Rapidamente ambos os clubs se uniram e tomaram a praça em frente ao parlamento georgiano, transformando o local em uma gigante pista de dança para reivindicar a liberdade da cultura jovem e mudanças em relação ao radicalismo exacerbado do governo e população. A forma de manifestação? Muito Techno. Graves carregados, riffs e hi-hats ecoavam enquanto milhares de ravers subiam seus braços, batiam palmas e erguiam cartazes com mensagens de indignação, protesto e amor.
“We dance together, we fight together”, frase que moveu todos os manifestantes por horas. É claro que houve resposta dos extremistas e viu-se um final desagradável, com os ravers sitiados na praça e evacuados sob escolta policial, além de diversas ocorrências de enfrentamentos violentos. Ainda que o país continue impondo uma linha cultural conservadora, a juventude mostrou seu poder e, principalmente, que não irá mais se calar.
O movimento cultural construído ao longo dos anos através do Bassiani é um dos pilares na propulsão da expressão da juventude e de um cenário de liberdade na Geórgia. Que assim seja não apenas lá, mas em todo o mundo.
A música conecta.