“‘What shall I do now? What shall I do?’
‘I shall rush out as I am, and walk the street
With my hair down, so. What shall we do to-morrow?
‘What shall we ever do?’”
— T. S. Eliot, The Waste Land (1922)
A pergunta que ressoa há mais de 100 anos nos versos de um dos poemas mais importantes do século XX, escrito por T. S. Eliot, parece ter encontrado novos tempos na cena eletrônica contemporânea. “O que devemos fazer amanhã?” é uma pergunta que habita timelines, planejamentos de carreira, agendas dos artistas. Uma pergunta que já não nasce da inquietação natural, mas da necessidade de buscar resultados.
Em 2021 tivemos a oportunidade de realizar uma entrevista exclusiva com The Paradox, duo formado por Jeff Mills e Jean-Phi Dary. Juntos do percussionista Prabhu Edouard, eles chegam ao Brasil na próxima semana para dois shows em São Paulo pelo QUEREMOS, com o aclamado projeto Tomorrow Comes The Harvest. Em um dos trechos daquele bate-papo de 2021 com a dupla, está talvez uma das respostas mais potentes a esse comportamento da sociedade contemporânea de estar sempre olhando para lugares diversos, mas raramente para o agora: “Hoje, as pessoas não escutam mais com a mente livre. Existe sempre alguma distração, uma notificação, alguma coisa interrompendo o fluxo.”
The Paradox — o projeto que uniu a lenda do Techno de Detroit e o aclamado pianista francês, com raízes no jazz e na improvisação — emergiu da recusa a esse estado de fragmentação. É uma recusa silenciosa, mas presente, que não se limita ao som: envolve uma outra lógica de presença, uma outra ideia de tempo. Jeff Mills define a proposta como “a construção de uma realidade alternativa dentro da música”, onde a escuta é uma forma de experiência total. Saem de cena os loops repetidos e a pressão da música eletrônica de pista, entra um convite à contemplação — e talvez até ao desconforto — do ponto de encontro do Techno com o Jazz.
No centro da entrevista que realizamos com o duo, está um tema que escapa ao léxico usual da indústria: escutar como ato de ficar no agora. Jean-Phi fala sobre o quanto a repetição na música pode ser libertadora, “não pela repetição em si, mas pelo que ela abre dentro de quem escuta”. Mills complementa dizendo que “há um tipo de hipnose na improvisação que cria uma relação mais direta entre o som e o inconsciente”. Em tempos de playlists automatizadas e charts que definem o que é ou não é sucesso, essas ideias soam como um desvio proposital e necessário.
Para muito além de nostalgia ou preciosismo, ambos reconhecem que as mudanças no consumo musical são inevitáveis, mas também deixam claro que há uma responsabilidade em preservar espaços de risco criativo. “Estamos tentando lembrar as pessoas de que a música pode ser imprevisível”, compartilhou Jeff Mills. A declaração, ainda que dita de forma simples, carrega um peso raro no discurso contemporâneo. A imprevisibilidade como resistência à lógica do entretenimento previsível.
Essa entrevista com o The Paradox nos mostrou a complexidade que existe na escuta, no conceito de uma sociedade distraída e na importância do risco criativo. Não há palavras de ordem, tampouco fórmulas para “salvar” a cena. Mas há uma pista, e ela passa pela atenção: escutar, estar presente, tolerar o silêncio. Atos que valem tanto para a música, quanto para construção de uma sociedade melhor. Ao longo da conversa, a impressão que fica é que Mills e Dary não estão interessados em produzir algo que atenda as expectativas. Eles preferem provocar. E provocam, justamente, por nos lembrar de que a experiência artística também pode, e deve, ser um espaço de fricção sensorial.
Na era da distração contínua, a maior ousadia talvez seja se negar a não viver o agora. Jeff Mills e Jean-Phi Dary são artistas que nos colocam frente a frente com isso: um convite a desobedecer o imperativo da pressa e da previsibilidade. A dança, neste caso, não é só corpo em movimento.