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A música conecta

Eduard toca Frank & Tony

Por Eduard Marquardt em Eduard toca... 19.01.2021

Em 2007, quando comecei a mixar, o BPM do momento era 128. Tocar a mais de 130 era atrevimento, e tocar a menos de 128 parecia que todo mundo dormiria na pista. Parece bobagem, mas cada período (um, dois anos, talvez) tem um BPM. Não é uma regra; é uma força do acaso que se torna regra pelo esforço que produtores ou DJs fazem na tentativa, consciente ou não, de se encaixar no status quo, em fazer parte do estado das coisas.  

Isso não é bom nem ruim. É apenas uma imagem da música em um determinado momento.  Essa imagem se forma mais nítida pela reunião massiva em torno de uma linha de expressão que caracteriza aquele momento, como um “micro Zeitgeist”, e em volta dessa “imagem”, de forma mais distante e difusa, estão os que preferem o contrafluxo e produzir ou tocar no ritmo que lhes convêm.  

Com o tempo as velocidades mudam. Os 128 BPM de 2007 foram esquecidos e ninguém mais toca nessa velocidade. Hoje é como se uma casa vazia habitasse essa velocidade no pitch. 

São várias as “teorias” e todas caem por terra em um momento ou outro, porque peso ou leveza não são diretamente proporcionais à velocidade. Mas antes de você descobrir isso o BPM parece algo extremamente relevante, de modo que uma festa House deveria começar pelos 118, chegar aos 123, 125, e só então a cozinha está pronta para o headliner fazer nela o que bem entender. O evento fica confuso quando o warm up sobe antes da hora, antes de o álcool fazer efeito na pista, antes de o headliner chegar. O DJ pode achar que é responsabilidade exclusiva dele fazer as pessoas se movimentarem, mas há outros fatores que fazem parte do jogo. 

Isso tudo é relativo: no Techno “a la romena”, com um pé bem fincado por volta dos 123 BPM desde 2013, há dois ou três anos começaram a surgir diversas tracks beirando os 130 (Fumiya Tanaka, Gera Taraman entre tantos outros). E essa aceleração não significa peso. Yagya, produtor islandês de Techno, tem um disco chamado Fifth Force, repleto de leveza aos 140 BPM. Peso é tom, leveza é tom. 

Porém, há algo mágico nos 130.  

Eu sempre lembro de um amigo que produz Hard Techno (e aqui se entenda 140 e subindo) me perguntando o que eu andava tocando. Lembro da sua insatisfação em sair para um evento e voltar para casa sem sentir o som bater no peito por conta da velocidade. Eu dizia: “Não dá, meu. Não é mais assim”. “Não é assim, vírgula”, ele me disse. “Chega nos 130 e você vai ver o que acontece.” E eu acho que ele tem razão, porque se você tiver a oportunidade de pegar uma pista às duas da manhã aos 130, você vai ver o que acontece. 

Então isso tudo é muito confuso. Não há regra, mas há uma polidez lapidada pela experiência do DJ que lhe permite entender o que o momento precisa. Essa polidez separa quem foi para tocar uma playlist X, seja em que hora for, de quem procura no case, naquele momento, o que momento exatamente precisa. Isso nos salva de permanecer num warm up infinito ou daquela sensação de que alguém queimou a largada, de não conseguir entrar numa pista porque ela está rápida demais antes da hora. Não há regra, mas há bom senso. 

Radicalizando a digressão, hoje, início de 2021, falta bom senso a 99% dos DJs que ocupam as cabines, num momento em que montar a pista não convém. Então o DJ que não tem lastro no case, mas apenas o que ele quer tocar, vai formar a pista com ou sem um vírus que pode ser mortal no ambiente. Aí se caracteriza o que na economia se chama “externalidade”, a ação entre dois que lesa apenas a um terceiro: o DJ e a pista aglomerada, ambos a priori desprovidos de uma má intenção, podem atingir e lesar um terceiro, que nada tem a ver com aquele momento. Ou seja: se você esteve na pista, não tome café com a sua mãe nos dias seguintes. Tempo confuso. Não consigo pensar no ano que se foi sem pensar na responsabilidade do DJ em tocar sem fazer aglomerar, e tocar bem, de modo que a economia da máquina de eventos siga funcionando – difícil, não? Nosso presente não é de excessos. Fim de digressão. 

Mas por que esse papo de velocidade, peso e leveza pode ter alguma relevância? 

Porque não é fácil tocar slow. Para mim, tocar devagar torna a mixagem ainda mais cerebral. Abre-se espaço para cada elemento da faixa, os graves ocupam o ambiente, as texturas se formam… 

Frank & Tony são mestres do House introspectivo. 

Frank & Tony 

Companion pode ser a faixa mais emblemática de Frank & Tony, composta em parceria com DJ Sprinkles (Terre Thaemlitz). É o lado A do single You, lançado em outubro de 2014 pelo selo Scissor and Thread, gerenciado justamente por Francis Harris e Anthony Collins.  

Nessa época eu já ouvia tanto um como o outro: Francis Harris tinha lançado seu primeiro álbum em 2012, Leland, mas antes disso eu já ouvia seu alter ego, Adultnapper, que passou pela onda Minimal/Tech House entre 2005 e 2011, que quase sempre não me agrada muito. Mas antes do Francis Harris que eu conheci em 2012, e antes do Aldulnapper, frequente nos blogs no fim da primeira década de 2000, Francis Harris já tinha sido Francis Harris: entre 2003 e 2004 há cinco singles curiosos, feitos em parcerias, e dos quais destaco Etc., assinado com Sean CusickAnthony Collins, por sua vez, começa mais tarde: seu primeiro single é de 2009, no auge do Minimal que eu conheci, e seu nome se desdobra em codinomes como Joaquin Drama e Grant; em parcerias como Theory of Movement e Camarade.  

Disso tudo, me sinto distraído com os nomes e suas origens. Embora eu ouvisse Frank & Tony, Francis Harris, Adultnapper, Anthony Collins, Grant e por aí vai, eu não sabia que Francis Harris era Adultnapper nem que Anthony Collins era Grant… e muito menos que Frank & Tony eram Francis e Anthony. Fiquei envergonhado quando descobri esses laços todos, mas também satisfeito: são discos que ficam na mesma prateleira da minha discoteca, e meu ouvido tinha aproximado todos por alguma afinidade eletiva. 

A discografia de Frank & Tony inicia 2012, com o primeiro volume da série F&T presents…, poucos meses depois de ambos inaugurarem o Scissor and Thread com um single do Black Light Smoke. A série possui seis volumes e apresenta faixas com convidados, que são quase todas as faixas com vocais assinadas pela dupla: o aclamado Bob Moses de Holding On, Gry, Corbu, Julia e também o BLS

Em 2014 surge o EP What You Believe, que mais tarde se tornou o volume 6 de F&T presents…, no Bandcamp. Sempre pelo selo próprio, seguem os EPs Girl, Go e You (sem repress e caríssimo hoje em dia), todos naquele ano. Em 2015, lançam pela Mule Musiq o EP The Gales. Daí em diante todos os títulos são do S&T, entre 2015 e 2017: Record Store Day, Apprentice, Waiting Ground, Under the Jaguar Sun, Harmonium e Odes. São poucos os remixes assinados pela dupla, para nomes também pouco conhecidos como Altocamet, Louie Fresco, Rosas Nievas ou Berkson & What (vale muito conferir). Após 2017 temos apenas releases solos de Francis Harris e Grant. 

mix 

Minha primeira intenção era montar um mix apenas com as faixas instrumentais. Tenho certa resistência aos vocais do Bob Moses, que às vezes parecem fofos demais e apelam a um viés Pop de produção. É tanta fofura que você pode acabar um pouco enjoado. Mas hoje eu percebo que estava enganado, e como as demais faixas nessa linha, os vocais dinamizam a audição e aliviam o peso das máquinas. Procurei manter a velocidade original das tracks na medida do possível para que o pitch não alterasse muito o tom. Iniciamos em 115 e finalizamos em 123. 

De modo geral, o som reflete a imagem das capas dos discos: o tom soturno, B&W, abafado, como se um filtro passa-baixa estivesse permanentemente ligado. Mesmo atual, parece que a música de Frank & Tony ficou por anos guardada em algum sótão por aí e só agora veio à tona. 

É isso. Boa audição e até o próximo episódio. 

Tracklist: 

1. Holding On (Dub) [F&T ‎presents… 004, Scissor and Thread, 2013] 
2. What You Believe [What You Believe, Scissor and Thread, 2014] 
3. Breath Game (feat. Black Light Smoke) [F&T ‎presents… 003, Scissor and Thread, 2012] 
4. Love Brut [Girl, Scissor and Thread, 2014] 
5. Waiting Ground [Waiting Ground, Scissor and Thread, 2016] 
6. Under The Jaguar Sun [Under The Jaguar Sun, Scissor and Thread, 2016] 
7. Nine Cities [Go, Scissor and Thread, 2014] 
8. Orchid Trait (Dub) [F&T ‎presents… 004, Scissor and Thread, 2013] 
9. Lamento [Apprentice, Scissor and Thread, 2015] 
10. Faded Dub [You, Scissor and Thread, 2014] 
11. Villa Seurat [Girl, Scissor and Thread, 2014] 
12. Novella [Go, Scissor and Thread, 2014] 
13. This Time (with DaRand Land) [Odes, Scissor and Thread, 2017] 
14. Companion (with DJ Sprinkles) [You, Scissor and Thread, 2014] 
15. Pavane [Waiting Ground, Scissor and Thread, 2016] 
16. Absentia (Frank & Tony’s Breakaway Edit) [Waiting Ground, Scissor and Thread, 2016] 
17. I Fall (feat. Gry) [F&T ‎presents… 002, Scissor and Thread, 2012] 
18. Only by Moving [The Gales, Mule Musiq, 2016] 
19. Rings (feat.. Corbu) [F&T ‎presents… 001, Scissor and Thread, 2012] 
20. Modest Season [Apprentice, Scissor and Thread, 2015] 
21. Still Life [What You Believe, Scissor and Thread, 2014] 
22. After Days [Record Store Day, Scissor and Thread, 2015] 
23. Harmonium [Harmonium, Scissor and Thread, 2016] 
24. The Gales [The Gales, Mule Musiq, 2016] 
25. Resistance (feat. Jason Poranski) [You Go Girl, Scissor and Thread, 2014] 
26. Worked (Frank & Tony’s Drumverse Dub) (feat. Bob Moses) [F&T ‎presents… 001, Scissor and Thread, 2012] 
27. John Beltran – Guitarus Breeze (Frank & Tony’s Breakaway Edit) [Harmonium, Scissor and Thread, 2016] 
28. DJ Aakmael – Sand (Frank & Tony’s Breakaway Dub) [Take It Back, Scissor and Thread, 2017] 
29. Louie Fresco – Arabian Sexcapade (Frank & Tony Late Dub) [Arabian Sexcapade, No.19 Music, 2014] 
30. Procession [Odes, Scissor and Thread, 2017] 
31. Sargasso [Under The Jaguar Sun, Scissor and Thread, 2016] 
32. Hardrian [Harmonium, Scissor and Thread, 2016] 
33. Amedeo [The Gales, Mule Musiq, 2016] 
34. Serenade [Harmonium, Scissor and Thread, 2016] 
35. Difficult Loves [Under The Jaguar Sun, Scissor and Thread, 2016] 
36. Call Me Rain [Go, Scissor and Thread, 2014] 
37. Rosas Nievas – Every Inch of You (Frank & Tony’s Breakaway Remix) [Every Inch of You, Scissor and Thread, 2015]  
38. Berkson & What – Seraphim (Frank & Tony’s Breakaway Edit) [Keep Up Appearances – Remixes, Modelmaker, 2015] 
39. Bring The Sun (feat. Gry) [You, Scissor and Thread, 2014] 
40. Solo Andata – A Ballet of Hands (Frank & Tony’s Breakaway Edit) [Under The Jaguar Sun, Scissor and Thread, 2016] 
41. Apprentice [Apprentice, Scissor and Thread, 2015] 
42. Ebreo [Waiting Ground, Scissor and Thread, 2016] 
43. Altocamet – Disipa Dudas (Frank & Tony Remix) [Dulce Calor, Casa del Puente Discos, 2013] 
44. Walters Orange (No Tourists Vocal) (feat. Corbu) [F&T ‎presents… 003, Scissor and Thread, 2012] 
45. DaRand Land – Discover You (Frank & Tony’s Breakaway Remix)
[Discover You, Scissor and Thread, 2016] 
46. Odes [Odes, Scissor and Thread, 2017] 
47. Orchid Trait [F&T ‎presents… 004, Scissor and Thread, 2013] 
48. Surface Prelude [Odes, Scissor and Thread, 2017] 

Eduard Marquardt é DJ e professor universitário. Residente do núcleo TROOP desde 2014. Owner da The_Smoking_Cat K7Studio. 

Conecte-se | Soundcloud, Instagram Eduard, Instagram The_Smoking_Cat K7Studio 

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