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A música conecta

Uma nova geração de DJs nacionais está ganhando as pistas, mas como eles se relacionam com os veteranos da nossa cena?

Por Marllon Eduardo Gauche em Editorial 09.10.2023

A cena brasileira vive um “boom” de artistas fazendo sucesso tanto aqui no país como lá fora. A produção musical permitiu isso e “facilitou” o estrelato de muitos, já que apenas bom gosto e uma boa pesquisa hoje tornaram-se requisitos básicos. Mas antes de estarmos tanto em evidência, foi preciso que vários DJs dessem o sangue e o suor para construir o que chamamos de cena. Se voltarmos cerca de 25 ou até 30 anos atrás, era raro ver grandes eventos com DJs brasileiros como headliners, história que é muito diferente atualmente com ANNA, Classmatic, Mochakk, Vintage Culture e outros estampando o espaço principal dos flyers.

+++ O que tornou o Skol Beats tão importante para a cena nacional?

É claro que ainda valorizamos muito o produto de fora, mas se a música eletrônica é o que é hoje no Brasil, alguns nomes têm uma participação importantíssima nisso. Nos anos 90, tivemos DJ Meme ganhando destaque com suas produções e remixes super originais, DJ Marky e Patife basicamente criando o movimento do Drum ‘n’ Bass no país, ou mesmo DJ Mau Mau introduzindo novas experiências sonoras no saudoso Madame Satã. Logo depois, veríamos Renato Cohen dar o “pontapé” para despontar de vez na carreira internacional, bem como Anderson Noise colocando o Techno brasileiro em evidência no mundo todo — vale destacar que quatro destes artistas citados (Marky, Patife, Mau Mau e Noise) tocaram em todas as edições do Skol Beats no Brasil, que rolou de 2000 a 2008.

Cobertura da Band para a quarta edição do Skol Beats

Após essa pavimentação inicial, começaram a surgir outras figuras que até hoje possuem um peso e tanto na história da dance music nacional como Leo Janeiro, na ativa desde metade dos anos 90, Marcio S, que dava o start na carreira em 98, Renato Ratier, que no ano 2000 já fundava o D-EDGE em Campo Grande e iniciava uma revolução, ou mesmo Eli Iwasa, que foi justamente influenciada por Mau Mau e ficou conhecida por organizar os rolês históricos da Technova no Lov.e. Mas a pergunta é: como a nova geração de DJs brasileiros se relaciona com esses veteranos?

A nível internacional, até poderíamos citar trabalhos recentes como o de ANNA remixando Depeche Mode e Orbital, ou mesmo Classmatic remixando o clássico Bigger Than Price de Green Velvet, mas o intercâmbio nacional ainda parece acontecer pouco e merecia (ou deveria) ser levado mais em consideração, até porque praticamente todos os artistas citados acima ainda estão em atividade de alguma maneira, seja no DJing ou nos estúdios.

Dentro do house, é possível citar uma colaboração interessante que rolou em 2020 entre o veterano DJ Mau Mau e o “newcomer” Softmal, que nos últimos anos figurou entre os principais produtores e vendedores de house no Brasil dentro do Beatport. Naquela ocasião, pela Prison Entertainment, a dupla colaborou na faixa Money junto com Nytron, resultando numa faixa de House que uniu o melhor de cada artista. 

Em contato com a redação, Mau Mau comentou que em sua trajetória como produtor sempre buscou fazer parcerias, inclusive convidando músicos de diferentes estilos para somar de alguma forma nas suas produções. A parceria acima aconteceu graças à sua amizade com Nytron, com quem já tinha colaborado anteriormente nas faixas Body Feel (2017) e Hit the Flow (2017). “O Nytron me convidou com essa nova collab que já tinha participação do Softmal, a gente começou o processo cada um na sua casa, tudo pela internet, compartilhando as partes e fomos construindo. Essas collabs e participações com artistas diferentes me enriquece muito, eu gosto desse contato e dessa troca de experiências. Acho que a música é isso, é união, força, é unir ideias e a criatividade dos artistas, tanto que o resultado de todas essas collabs foram muito bacanas”, lembrou. 

No ano passado, Eli Iwasa estreou a label party Closer, colocando o protagonismo feminino em pauta e reunindo artistas mulheres em diferentes momentos de carreira para compor um lineup 100% feminino, em uma iniciativa que também aproxima artistas expoentes de outras tantas já consolidadas.

https://open.spotify.com/intl-pt/track/3p8HW8mwgbwt1RjlJMzVMY?si=692e437e7834407b

Leo Janeiro também é outro caso que pode ser citado. Frequentemente ele busca realizar collabs com novos nomes do cenário, a exemplo de Seed Selector, como aconteceu em Falador, de 2021, e Mau Maioli, no seu remix para Time To Dance, de 2022. Em ambos os trabalhos dá para sentir a pegada mais clássica do House dos anos 90, período vivenciado de perto por Leo, com a abordagem contemporânea dos artistas desta nova geração.

+++ Leo Janeiro é um embaixador da música eletrônica “made in Brazil”

“Para mim esse contato com as novas gerações é algo super normal, a música por si só acaba fazendo muito bem essa conexão. Eu curto isso, essa troca de ideias e até mesmo experiências. Importante disso tudo é manter este flow, mas sem ser algo forçado. Tem muitos artistas que ainda não tive oportunidade de trocar ideia, mas sigo e acompanho o trabalho. No meu ponto de vista é algo positivo estarmos todos juntos, todo mundo ganha e o principal é o resultado que isso acaba gerando. Deixar este canal aberto é uma das melhores coisas da profissão”, acrescenta o artista. 

Trazendo um pouco para o universo do techno, também fomos atrás da visão de um veterano da cena, Anderson Noise, que se conecta com a galera mais nova principalmente através da sua label Noise Music, há mais de duas décadas em atividade. “O Noise Music nasceu com o propósito de apresentar artistas nacionais. Um dos últimos lançamentos foi o VA AS Community, onde fizemos um contest em conjunto com a comunidade do Andre Salata e selecionamos alunos cujas produções se destacaram. Eu mesmo também já fiz boas colaborações com artistas daqui como o Re Dupre, Kleber, VERUAH e estou sempre ligado para novas possíveis parcerias”.

Um fato curioso é que Pontapé, a faixa responsável pelo estrelato de Renato Cohen lá no início dos anos 2000, lançada na Intec, de Carl Cox, pertencia inicialmente a Noise Music. “Eu já tinha tocado com o Carl Cox em umas três oportunidades, aí ele veio para o Brasil fazer sua primeira turnê por aqui e foi quando ele me viu tocando essa faixa, que seria lançada pela Noise Music. Acabou que ele me pediu para ceder para a gravadora dele e eu aceitei”, explicou Anderson Noise. 

E lembra que citamos o legado de Patife no início do texto? Pois bem, seu nome também vem sendo resgatado por uma das maiores estrelas que temos atualmente na cena: Mochakk. Diferente dos exemplos anteriores em que pontuamos algumas colaborações musicais, Mochakk tem tocado alguns clássicos da música brasileira em seus sets, como Sambassim, de Patife, que inclusive lá em 2001 comentou sobre essa “mistura de estações” em uma entrevista para a Folha de São Paulo: “Sambassim, da Fernanda Porto, foi uma das primeiras coisas que fiz como produtor, nada com tanto vocal em português. Resolvi colocar minha cabeça na foice. É claro que deu uma insegurança no começo. Mas senti uma vibração boa em relação a essa coisa de misturar música brasileira. As pessoas têm preconceito, isso precisa acabar”.

Mochakk, que não esconde seu apreço pela rica cultura musical que carregamos — como demonstrou claramente em sua apresentação da Cercle — reforça que é importante entender e apreciar a música do próprio país. “A história toda que percorre a música brasileira me fez moldar completamente meu gosto por sonoridades, grooves e acordes, o samba mesmo, tão específico e característico com as rítmicas, tensões, harmonias e melodias, coisas que um estrangeiro que estuda entende, mas não sente como a gente sente sendo brasileiro, sabe?”, reflete, citando ainda uma entrevista de Tom Jobim: “nesta entrevista ele dá esse exemplo e ainda advoga a favor de um progresso no samba, diz que tem que misturar sim, que tem que inovar, mas sempre com respeito ao que significa todo aquele movimento e o que constitui um samba”. Inclusive, vale destacar que NO8DO, faixa que ele lançou pela Cercle Records em maio, com Fernanda Ouro, teve forte inspiração no samba.

Por fim, na conversa, Mochakk ainda pontuou que não gosta de ver a arte apenas como entretenimento e que acha que nos últimos anos temos visto mais e mais obras sendo tratadas apenas dessa forma, motivo pelo qual muita gente cultiva o apreço pelo passado. “Eu, enquanto DJ, produtor e artista, não quero só valorizar o que foi legal lá atrás ou só a música do Brasil. Tenho esperança na arte e quero exaltar tudo de moderno que me trouxer uma credibilidade de ser algo feito com paixão e com propósito artístico, porque exaltar isso talvez cultive a sementinha para que mais alguém desenvolva essa apreciação maior por música e arte, vendo nela a importância que eu vejo. Tenho fé que uma humanidade com uma apreciação artística mais profunda também aprimora sua habilidade de discussão, amistosidade e evolução”.

A música conecta.

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