A síntese de sonoridades regionais nordestinas com batidas groovadas da bass music dão origem ao som quase impensável de Furmiga Dub, que cria uma espécie de Baião psicodélico vibrante. Com o propósito de valorizar a cultura popular brasileira como um todo, a música que ele reverbera vai além e diminui a distância existente entre o Brasil e o Nordeste graças ao seu apreço pelas influências afro, indígenas e tropicais que fazem parte de sua identidade.
Por trás do projeto está o multi instrumentista paraibano Fabiano Formiga, artista que desde 2011 usa seu conhecimento musical para criar sons autorais e espalhar o seu “grave da mata”, que é justamente a associação de estilos que ressaltam as linhas de baixo com a batida que vem da mata, dos tambores, da natureza. Grave da Mata foi o nome com o qual batizou o seu álbum de 2018 e que agora ganha uma continuação através de Grave da Mata Vol. 2, bastante focado em sons mais instrumentais (sua especialidade), mas trazendo convidados que celebram a comunhão de parcerias, como Alex Madureira, na guitarra e no baixo de Viva a Natureza, Monkey Jhayam nos vocais de Deep Coco e Tuareg, além de Ella Voa brilhando em Bala de Prata.
Formiga faz arte para se libertar e quando esse som chega na pista de dança, não há quem não se mexa. Nessa mistura de popular com tecnológico, do orgânico com o digital, ele traz ritmos como coco, maracatu, xote, ciranda e baião entrelaçados aos beats eletrônicos com muita originalidade. Nós falamos com ele logo após sua passagem pelo palco New Dance Order, no The Town, onde ele se apresentou junto do Forró Red Light e o Baile Encarnado. Confira:
Alataj: Olá, Fabiano! Obrigado por essa entrevista. Você acabou de pisar no palco do New Dance Order numa apresentação com o Forró Red Light e o Baile Encarnado. Nos conte como surgiu essa parceria entre vocês primeiramente?
Furmiga Dub (Fabiano Formiga): Olá, pessoal! Geninho e Rafa são amigos de muito tempo, inclusive já tocaram juntos em alguns projetos em Brasília, então o convite veio através dessa conexão entre os dois. Nossos projetos possuem uma pesquisa parecida de misturar cultura popular e todo esse complexo do forró com o eletrônico, então foi meio que intuitivo esse encontro.
Como foi a construção do repertório para essa apresentação em específico? E qual foi o sentimento de levar a sua música para um festival tão importante como este?
A construção foi colaborativa. Definimos primeiro uma unidade temática, que foi mais voltada para a pauta ecológica e defesa da Mata Atlântica. A partir disso, cada um sugeriu duas músicas e construímos um repertório onde todos pudessem se sentir representados. E o sentimento é de satisfação, né? A gente tá trabalhando há muito tempo nisso, não é de hoje que estamos fazendo nossa música, divulgando nossa cultura, nossa terra, nosso Nordeste… Então é muito gratificante começar a ter um reconhecimento pelo nosso trabalho.
Depois de praticamente 5 anos chegou o Grave da Mata Vol. 2, sucedendo o primeiro álbum de 2018. É possível pontuar quais são as principais diferenças entre estes dois discos?
A diferença entre os dois discos é que nesse processo entre um e outro eu voltei a morar na Paraíba e comecei a estudar um curso técnico de agroecologia que me reconectou com a natureza, com o meio ambiente, sabe? Qualidade de ar, qualidade de água, soberania alimentar, movimentos sociais, tudo isso. Então no vol. 1 eu estou em São Paulo sentindo falta da mata e no vol. 2 eu estou de volta na mata… agora vamos ver no vol. 3 o que é que vai acontecer, mas tô pretendendo fazer um disco entre o vol. 2 e o vol. 3.
Você é um artista que preza muito pelas colaborações, certo? Neste novo álbum, temos a participação de Monkey Jhayam, Alex Madureira e Ella Voa. Quais fatores conectaram vocês para este trabalho?
Colaborações são sempre bem vindas e eu acho que agrega mais valor ao trabalho trazer outras percepções. Todas as colaborações que eu fiz foram com pessoas com quem eu tenho um uma ligação para além da música, uma ligação de amizade mesmo, de fraternidade. É muito gratificante trabalhar com alguém que a gente admira, principalmente as pessoas que cantam e compõem letra, porque isso complementa a minha arte de uma forma grandiosa. Para além do registro da amizade, da conexão humana que nós temos… esse registro é uma celebração desses afetos.
Evidentemente há uma paixão sua muito profunda pela cultura popular brasileira e, mais especificamente, nordestina, já que você é da Paraíba. Quando de fato surgiu a ideia de unir os ritmos da região com a música eletrônica? E de onde vem esse apego?
Esse apego com a cultura popular foi uma história de vida. Eu comecei na música desde cedo, porque meu avô era músico, minha família é de músicos e, ao todo, acho que já participei de umas 30 bandas. Comecei no Heavy Metal, toquei Reggae, Samba Rock, Brega, Old School, Música Clássica, Orquestra… cada banda foi um aprendizado pra mim, mas lembro que foi quando eu toquei com Escurinho, que é um cantor e compositor ilustre lá da Paraíba, no Festival de Inverno de Garanhuns, que eu me encantei com as apresentações do palco de cultura popular de um jeito que nunca senti com nenhum outro gênero.
De todas as pesquisas que eu tinha feito em todos os estilos, nada me tocou tanto quanto a cultura popular. Eu senti uma autenticidade, um amor pela cultura e pela identidade que me impactou muito. Então foi meio que uma consequência da minha vida mesmo, do passo a passo das coisas. Como eu já tinha bacharelado em música, eu também já tinha estudado muito isso de padrões rítmicos, então só fiz juntar os pontos dos padrões rítmicos da música eletrônica com a cultura popular.
Se falarmos em referências, quais são as suas principais em cada um destes universos? Tanto da música brasileira em geral como da cena eletrônica…
As referências são infinitas, digamos assim. Começando com o Heavy Metal, Iron Maiden. Até hoje eu gosto de escutar Sepultura, principalmente pra fazer faxina na casa. No drum n bass, DJ Marky, DJ Patife… e da cultura popular eu comecei por lá, Caiana dos Crioulos, Penha Cirandeira, Totonho… foi quando conheci outros produtores que faziam música eletrônica brasileira, Marcelinho da Lua, BiD, DJ Dolores, Chico Correa.
Principalmente Chico Correa, de quem eu fui técnico de gravação, trabalhei no estúdio, então foi um grande referência. A partir disso fui me aprofundando na mistura do eletrônico com a cultura popular e criando um estilo próprio para mim, procurando outros timbres, usando a rabeca como diferencial. E agora na música árabe, tô pesquisando muito os Tuaregs, vendo as similaridades com a música nordestina e buscando cada vez mais referências.
Qual a parte mais complexa desse crossover de estilos? A criativa ou a técnica? E em cima do palco, rola um improviso também, né?
Acho que o mais complexo é o aspecto técnico. Pegar uma música dos ritmos brasileiros que os programas eletrônicos não entendem muito bem e fazer esse trabalho de organizar compasso por compasso pra ela entrar no beat, na pulsação eletrônica que é uma coisa mais quadrada. E em cima do palco sempre rola o improviso, até porque essa já é uma cultura lá da Paraíba. Somos terra de repentista, de coco de embolada, de você estar rimando, criando na hora.
Então o improviso sempre é uma coisa presente e eu acho que deixa cada apresentação única. Nem eu sei o que que vai rolar e a gente tem essa emoção de sempre querer tocar junto, descobrir junto com o público o que vai sair. Eu faço muito isso com o projeto do Bando, com Rafa e Nico, que também são dessa cultura de improviso e a gente se dá bem também por isso.
Algo que nos chamou atenção foi sua experiência por 13 anos nas Orquestras Sinfônicas do Estado da Paraíba. De que forma você insere essa musicalidade ou know-how adquirido nas produções que você cria hoje?
Na orquestra eu aprendi uma coisa in loco que é a orquestração, como distribuir as harmonias e as melodias nos vários instrumentos por frequência. Na parte aguda ficam os violinos, flautas, trompetes… cada um na sua família, as cordas, os metais, as madeiras…
Estar dentro da orquestra ensina a perceber essas nuances da separação da frequência, do médio, do grave, dos timbres. Eu aprendi muito isso de orquestrar e hoje eu eu divido a frequência nos sintetizadores, nos samples, nos contra cantos. Eu procuro misturar as referências e trazer essa coisa da orquestra dentro da produção musical.
E há algo preparado para essa reta final de ano? Por onde Furmiga Dub vai semear a música nos próximos meses?
Nessa reta final apareceu um trabalho para ser tutor de um aluno da escola de artes lá de Fortaleza que também quer fazer essa mistura da cultura popular com música eletrônica. Ele é uma pessoa indígena do povo Anacé e eu devo acompanhá-lo in loco por um tempo, ir atrás dessas outras referências do coco e do toré a partir dessa conexão do sertão entre a Paraíba e o Ceará. Vai ser um grande aprendizado de novas referências para os próximos discos. Além desse projeto, também estou com alguns singles para sair ainda esse ano e agora estou com uma empresária, representado pela nossa agência, O Bando da Paraíba, que está me ajudando a planejar a carreira de forma mais estratégica e a longo prazo.
Por fim, nossa pergunta clássica: o que a música representa na sua vida?
A música pra mim é a vida. É tudo. É religião, é vida, é modo de viver, modo de pensar, é modo de sentir, de ter saudade, de ter lembrança, de tudo. Tem um professor lá na Universidade que fala que a música é a mímesis da vida. A música é a arte, é a existência, é tudo… e inclusive nada.
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