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A música conecta

Alataj entrevista Cinthie

Por Alan Medeiros em Entrevistas 11.01.2021

Ela é o que podemos chamar, sem pestanejar, de uma profissional completa. Profissional, não apenas artista, pois a amplitude de seu trabalho é algo que impressiona, mesmo em uma época em que estamos tão acostumados a observar DJs e produtores atuando em projetos diversos. 

DJ com uma bagagem ampla que permeia diferentes estilos – mas se encontra especialmente no House -; produtora com uma série de lançamentos bem recebidos pelo público e crítica; dona dos selos 803 Crystal Grooves, Collective Cuts e we_re house; mulher à frente da loja de discos berlinense Elevate, que também é uma marca que presta outros serviços ligados a música eletrônica; e mãe. Para entender a relevância musical de Cinthie – uma de suas características mais importantes –, é necessário um aprofundamento em sua imponente discografia, que além de releases pelos seus próprios labels, contempla lançamentos por gravadoras do calibre de Heist Recordings, Skint, Watergate Records e AUS, este último responsável por hospedar seu brilhante debut álbum ano passado, Skylines – Citylights

+++ Skylines – City Lights é o novo álbum de Cinthie

Cinthie vai do House suave de 6 AM, para o peak time de Jack Your Header Higher com identidade e coerência. Ela não deixa de flertar com frentes mais sérias e sóbrias do estilo criado em Chicago, como nas belíssimas 803 The Meme Queen e Infinity, mas também não desaponta quando aposta no contemporâneo, como no caso de No One Can Take You From Me, mais Indie; Morning in Melbourne, progressiva e emocionante; e Bassline, que ao mesmo tempo é acessível e cativante – essas três últimas e bem diferentes faixas estão em seu álbum. 

Não é segredo o quanto admiramos Cinthie. Por aqui já fizemos seu Special Series – que eu inclusive recomendo para você mergulhar ainda mais na carreira dela -, já a colocamos como capa da The Office duas vezes, capa da Fresh House em outra ocasião e como destaque no Radar. É bom demais acompanhar uma artista tão ativa, representativa e consistente. Por essa e por outras, esta entrevista abaixo foi a escolhida para abrir o nosso 2021 e sem dúvidas é algo bastante especial: 

Alataj: Olá, Cinthie! Tudo bem? Muito obrigado por conversar conosco. Já comentei várias vezes aqui na redação que considero você uma artista completa: discotecagem, produção, business, tudo muito bem interligado e com consistência de sobra. Ter essa atuação forte em diferentes frentes sempre foi um dos seus grandes objetivos para a carreira?

Cinthie: Muito obrigado por me receber aqui em sua plataforma. Hmm, eu diria que tudo veio muito naturalmente. Comecei como DJ, mas 20 anos atrás senti que queria produzir minhas próprias coisas porque pensava, enquanto tocava, como seria bom ter uma faixa que soasse assim ou assado. A gravadora veio depois e depois também minha loja de discos por acidente. Mas eu acredito que tudo cresceu a partir da minha mentalidade muito antiga que eu adquiri ao sair nos anos 90, quando nós estávamos apenas sedentos por música e saindo com nossos amigos. Amo conversar com as pessoas e também adoro compartilhar músicas e IDs.

Os anos passam e Berlim segue sendo um grande hub criativo, capaz de impulsionar carreiras artísticas das mais variadas formas. Como é seu relacionamento com a cidade? O que Berlim oferece de mais valioso para sua evolução enquanto artista e pessoa?

Berlim sempre oferece total liberdade. Alguns aproveitaram a oportunidade e trabalharam duro e conectados com as pessoas, mas também, por outro lado, algumas pessoas simplesmente abusam da liberdade e se perdem. Sempre adorei Berlim, cresci aqui e sempre será minha cidade natal. Me deu total liberdade para evoluir como artista. Também graças ao custo de vida ainda muito barato e à vida noturna muito vibrante.

Percebo sua intenção de manter uma comunicação muito honesta e sincera com seu público nas redes sociais, ao mesmo tempo que se mantém longe de uma superexposição. Quais são os grandes desafios pra você nesse sentido? O mundo digital é algo trivial pra você ou grandes esforços foram necessários para chegar nesse perfil que você possui hoje?

De novo, acho que é algo que cresceu naturalmente. Também mencionei acima que ainda tenho essa velha mentalidade legal que mantive desde os anos 90, onde tudo era mais para se divertir e fazer amizade (pelo menos para nós). Trato a todos da mesma forma e acredito que ninguém deve ser melhor do que o outro. Às vezes é irritante quando eles têm áreas VIP em festas. Não é bom para a vibe, na minha humilde opinião. Mas quem sou eu para julgar? É apenas minha maneira de viver e como meus pais me criaram.

Como mãe, você certamente precisa conciliar muitos momentos entre família e trabalho. Se puder compartilhar um pouco de como isso costuma funcionar para você, seria muito legal saber…

Na verdade, não é tão difícil. Em primeiro lugar, adoro o que faço, por isso é fácil, além disso, minha filha é praticamente a criança mais legal do mundo. Mas é claro que é preciso muita organização e sem minha adorável au pair eu não seria capaz de fazer isso. Mas, ao longo dos anos, acredito que dominei o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. É absolutamente normal tirar uma folga sempre que meu corpo disser que é necessário. Não me sinto mal porque sei que normalmente trabalho muito.

Como produtora, você tem uma belíssima capacidade de flutuar entre mundos distintos dentro do House. Do Jacking ao Deep, passando pelo super moderno sem esquecer do clássico. De onde é possível extrair tanta profundidade?

Hmm, acho que pelo meu amor infinito pela House Music e meus 24 anos de experiência na música. Por exemplo, estudei todos os lançamentos de Kerri Chandler e Paul Johnson, querendo saber como isso e aquilo funcionam. Também dediquei muito tempo ao estúdio porque acredito que se você quiser ir para o próximo nível e ter uma boa produção, você precisa morar em seu estúdio por pelo menos cinco anos e praticar e fazer isso todos os dias. Eu tenho uma longa história de produção musical desde que lancei meu primeiro disco em 2000, mas somente há cinco anos acredito que coloquei minhas habilidades de produção em outro nível, só porque faço isso todos os dias.

Skylines, seu debut álbum lançado este ano, representa muito bem esta profundidade que questiono na pergunta anterior. O que você pode nos contar sobre o processo criativo deste lindo trabalho?

Sempre foi meu grande sonho lançar um álbum um dia e depois de lançar vários EPs. Achei que já era tempo. Primeiro eu queria lançar pelo meu selo, mas depois que conversei com Will Saul, da Aus Music, ele me convenceu a ir com eles. Eu produzi muitas faixas e as armazenei e depois de ter cerca de 25 faixas, peguei as melhores na minha opinião e as lancei.

Eu também pensei muito sobre como quero que meu álbum soe. Eu não produzi de repente um álbum ambiental ou algo assim, porque antes de mais nada ainda sou um DJ de club. Mas também oito faixas de discoteca teriam sido chatas, então tentei mergulhar e mostrar todo um espectro do que House pode ser. De Disco a Jacking, de Deep a uplifting. Mas também tentei mostrar um pouco mais, como a faixa downbeat de abertura ou a faixa de flashback breaky.

Morning in Melbourne, Australian Summer… aparentemente você tem um sentimento especial pela Austrália. Como isso te inspira?

[Risos] Sim, isso é verdade. Amo o país que me acolheu de braços abertos. O primeiro show que fiz foi no Festival Pitch e foi uma tarde perfeita com House Music, embora eu estivesse super cansada do vôo. Logo depois de voltar para casa, escrevi Australian Summer como um agradecimento. Além disso, este ano, toquei Let Them Eat Cake em Melbourne no dia de Ano Novo e foi fantástico. Eu adorei tanto. Muito do que escrevi Morning in Melbourne. Viajar me inspira muito ou também ouvir outros DJS.

E o Brasil nessa história? Você viria para cá este ano se não fosse a pandemia, não é mesmo? Quais são suas perspectivas em torno de uma viagem para o país? O que você sabe sobre a cena House daqui? Há algum artista ou selo brasileiro que você acompanha?

Boo, ainda estou tão triste. Teria sido minha primeira vez com vocês, mas bem, Corona tinha outros planos. Eu estava muito ansiosa para vir e tocar porque eu só ouvi coisas boas sobre aí. Infelizmente, não sei muito sobre a cena de House, mas acho que o som que toco é muito apreciado. Só estou tentando pensar se conheço algum brasileiro. Artista ou gravadora… hmm, acho que conheço alguns, mas esqueci o nome. Se você pode me recomendar algumas coisas agradeço muito.

Elevate! Como sua experiência comandando a loja de discos impulsionou sua pesquisa como DJ? Você divide a curadoria da loja com mais alguém?

Elevate é o meu bebê que eu abri por engano [risos], com minha antiga equipe. Acho que eles não levaram muito a sério, mas eu já trabalhei em uma loja de discos de 1996 a 2000 e agora está tudo voltando para mim. Estou na curadoria da loja, mas também tenho meu adorável assistente Daniel, que opera na Hungria no momento. Ele é um diamante absoluto em quem confio 10000% e é quem faz todas as coisas dos bastidores, como adicionar discos ao site, cortar trechos de vídeo para o nosso Instagram, etc. Eu adoro procurar discos e nós só vendemos o que eu também tocaria em meus sets. Ver todas as pessoas amando a seleção e os discos voando embora das prateleiras me deixa muito feliz, porque significa que as pessoas amam o que fazemos. Também durante a pandemia, é outra forma de compartilhar música.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

A música é tudo para mim. Às vezes parece que sou casada com ela e, embora eu também tivesse outros empregos na minha vida, como desenvolvedora de software, sempre foi meu primeiro amor e uma grande parte na minha vida.

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