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A música conecta

Alataj entrevista Kraak & Smaak

Me desculpem os mais tradicionais no exercício da escrita, mas quando o assunto é música fica difícil seguir o protocolo sempre. Por isso, peço licença e já vou puxando esse texto para a primeira pessoa, porque em se tratando  do projeto que encabeça o título da matéria, me sinto em casa. Digo mais, tamanha foi a minha surpresa quando, ao analisar as pautas da semana, percebi que foi delegado à redatora que vos escreve a tarefa de materializar uma entrevista com o Kraak & Smaak. Sim, temos uma super-fã, mas sei que estou longe de estar sozinha por aqui.

Para quem não sabe, o K&S é um trio de holandeses que, através da paixão por diferentes estilos musicais, convergiram entre si para criar uma fórmula que se desenrola mais ou menos assim: um gracioso resgate ao passado entrelaçado à uma proposta inovadora e multimusical que deságua em um oceano de infinitas possibilidades sônicas (para a nossa sorte) e que brinca com nossos sentidos. São diversos álbuns, singles, remixes, collabs e ainda um show em formato live band que deixa mais exposta ainda essa tal alquimia musical cheia de texturas. Os três artistas começaram a tecer história no início dos anos 2000 e foram se esmerando a cada passo dado. De lá pra cá, entregaram ao mundo uma série de produções rebuscadas, elegantes e que tornam a experiência uma verdadeira aula de música – sem exageros. Algumas belas amostras: Sommeron, Hands Of Time, Runnin’, Hold Back Love, How We Gonna Stop The Time e não poderia deixar de fora: Squeeze Me e Let’s Go Back que vai soar super familiar, já que o remix assinado pelo Solomun bombou sem precedentes na década passada.

Além da mistura entre eletrônica e instrumentalização, que por si só já expande a consciência, há fragmentos marcantes do Jazz e Acid Jazz, Funk, Disco, Boogie, R&B, Hip Hop, Breakbeat, Downtempo, House e por aí vai. Ah! Não esqueçamos da estética retrô e claro, os vocais e samples, a cereja do bolo. Esse virtuoso projeto já percorreu o mundo, tendo passagens em diversos clubs e festivais famosos e são eles os label heads por trás da gravadora Boogie Angst, que honra as sonoridades acima com maestria. Outra característica bem marcante do projeto é que, após lançar alguma faixa ou álbum, eles não demoram muito para convocar uma gama de artistas para trabalhar remodelações. É justamente o que nos traz até aqui. Recentemente eles lançaram a compilação de remixes, do seu  último e aclamado álbum, Pleasure Centre e pasme, são vinte e sete possibilidades musicais para você cair de cabeça, assinadas por nomes como Aeroplane, Satin Jackets, Atjazz, Tensnake, o projeto brasileiro Fatnotronic, Prins Thomas, Yuksek e muito mais.

Pois bem, hoje, eu e você teremos a chance de conhecer melhor o que se passa na mente desses três gênios. Coloque a faixa Stumble para ouvir e aprecie.

Alataj: Olá pessoal! Obrigado por nos conceder esta entrevista. Em primeiro lugar: Quem é o Kraak & Smaak? E como a história se desenrolou na música para você, até chegar em um trio? 

Kraak & Smaak: De nada! K&S é um trio formado por Oscar de Jong, Wim Plug e Mark Kneppers. Viemos de Leiden, na Holanda e temos atuado desde, bom, há muito tempo [risos]. De nós três, Oscar é o músico e engenheiro e eu e Mark compartilhamos uma experiência como DJ e colecionador de discos, mas acima de tudo, nos encontramos apaixonados por tipos específicos de música, discotecando e desejando lançar músicas de maneira adequada. Começando com uma faixa e ‘ver onde isso nos levaria’. A combinação de origens e personagens fez maravilhas e desde então lançamos seis álbuns, inúmeros singles e remixes e tocamos em todo o mundo com nossa banda completa ao vivo e DJs em conjunto. Um passeio e tanto!

Seu som é uma mistura que traz influências do Disco, Jazz e Funk carregados com House Beats. Estou certa? Além disso, temos a combinação especial entre instrumentação e recursos eletrônicos. Como vocês chegaram nisso? E se vocês pudessem colocar separadamente: o que cada um de vocês fornece criativamente para o projeto?

Começamos com funky Breakbeats e muitos samples no início, mas rapidamente ampliamos nosso escopo para outros estilos que se relacionavam com o que gostávamos: Disco, trilhas sonoras, Jazz, House, mas também começando a incorporar vocais e instrumentos ao vivo mais e mais, ao lado da Eletrônica e samples. O fato de sermos DJs, mas termos começado com uma banda ao vivo, em um momento que ainda não era tão comum, ajudou também, chamou muito mais atenção para o projeto. O projeto cresceu tanto nos últimos dez anos, com nosso próprio estúdio, nossa própria gravadora, a turnê, etc., que não temos mais tempo para estar no estúdio sempre juntos, como costumávamos fazer no início. Em vez disso, dividimos a maior parte dos vários trabalhos envolvidos entre nós para sermos capazes de manter o controle de tudo.

Você tem quase vinte anos trabalhando juntos. Muitas coisas mudaram desde então. O que vocês percebem da cena Disco e Funk de antes até os dias atuais? Vocês sentem essa tendência de expansão desses ritmos novamente? E se sim, por quê?

Achamos que certos estilos são sempre mais populares do que em outros, uma onda que se repete de vez em quando. Então, sentimos que estamos agora em uma espécie de novo pico ou renascimento, com um interesse renovado por todas as coisas Disco e Funk e, em geral, um som mais orgânico para as produções, seja na Dance Music ou música Pop, o que é definitivamente legal. Naqueles primeiros dias, a cena era definitivamente menor e mais voltada para dentro. Agora, pelo menos uma geração adiante, e com todas as mudanças tecnológicas pelas quais passamos (internet, download, streaming, mídia social, etc.) temos produtores e DJs que mergulham nessa piscina novamente, novos e maiores do que nunca antes, e redescobrindo e divulgando tudo, o que é um grande abrir de olhos para nós também.

O que eu sinto ao ouvir suas composições é que vocês são pesquisadores extremamente musicais e diligentes. Então queremos saber: o que vocês sabem sobre a música brasileira? Já ouviram algo de Boogie do Brasil?

Adoramos a música brasileira, principalmente dos anos 60 e 70. Começamos – como todos – com os clássicos, como Sergio Mendes, Astrud Gilberto, Tom Jobim, e depois descobrimos Jorge Ben, Milton Nascimento, Marcos Valle, Elis Regina e por aí vai. Recentemente, descobrimos jóias de Chico Buarque e Egberto GIsmonti. É uma cultura musical tão rica, que a Holanda tira o chapéu para vocês! Mas, para ser sincero, não somos os maiores especialistas em Disco e Boogie Brasileiro, além de clássicos como Estrelar de Marcos Valle, por exemplo. Pelo visto ainda temos muito o que descobrir!

Vocês lançaram a Boogie Angst. Por que sentiram a necessidade de ter sua própria gravadora? Vocês fazem a curadoria de um catálogo versátil e criativo por lá? O que vocês estão procurando em termos de música? Quais são os diferenciais? 

No início de nossa carreira, encontramos regularmente músicas de colegas produtores e bandas de que realmente gostávamos, mas como não tínhamos uma gravadora, não podíamos lançar e trabalhar por conta própria. Com o passar do tempo, porém, a vontade de abrir um selo ficou mais forte, especialmente quando o produtor holandês Moods apareceu em nosso caminho. Desde o nascimento da gravadora, cinco anos depois, chegamos ao lançamento # 77, apresentando a nós mesmos, Moods e uma série de outros atos globais 🙂 

Nós realmente não trabalhamos de acordo com um conceito musical ou um rótulo muito restrito, mas eu acho que isso reflete como o K&S é. Sempre abordamos e produzimos música com uma mente muito aberta em vibrações e aberta a vários tipos de material, seja baseando-se em instrumental ou mais relacionado à pista de dança.

Vamos falar sobre seu próximo lançamento, a compilação de remixes para o Pleasure Centre. Tive a honra de poder ouvir em primeira mão e é incrível. Como foi o processo curatorial para trazer tantos nomes em um mesmo espaço. E para resumir: o que os fãs encontrarão nos 27 retrabalhos?

A gente sempre começa com singles que gostaríamos de ter remixado, por exemplo, para dar uma perspectiva musical diferente, sobre um estilo específico ou deixando a track mais direcionada para a pista de dança, ou para dar uma nova vida a ela mais tarde. Em seguida, começamos a pensar nos nomes que gostaríamos de envolver, sejam produtores testados e aprovados ou novos, como os próximos que gostaríamos de experimentar, artistas favoritos de cada um. Depois, para ser capaz de lançar uma coleção de remixes de álbum adequada, voltamos nossa atenção para as outras faixas e tentamos encontrar as pessoas certas para isso também. Amamos o jogo de remixagem e sua curadoria, e tal compilação no final de cada ciclo de álbum é uma tradição que valorizamos muito. Os fãs podem esperar, como sempre de nós, um amálgama de vários estilos e vibrações, de todo o mundo, do Downtempo à Club Mix de uma forma ou de outra, e esperançosamente derramado em uma experiência de ouvir e dançar que transcende uma mera seleção de um monte de remixes empilhados juntos.

Um dos remixes é do projeto brasileiro Fatnotronic. Conte-nos um pouco sobre esse relacionamento.

Somos grandes fãs de seu primeiro álbum Onde Anda, um case muito ‘Kraak’ que adoraríamos ter feito para sermos honestos [risos]. Quando começamos a dar festas em Amsterdã, perguntamos se eles queriam ser DJs ao nosso lado. Um deles, o Phillip, veio, nos encontramos e nos demos bem. Estamos em contato desde então, levando a esse remix e, com sorte, mais colaborações no futuro.

Muito tempo se passou e ainda estamos na pandemia. Como vocês se adaptaram até agora? E mesmo em passos lentos para as festas, o que podemos esperar em 2021 para a Kraak & Smaak?

Na verdade, até agora temos conseguido sobreviver – bata na madeira! Como já estamos no mercado há um certo tempo, construímos um catálogo e tanto ao longo do tempo e o streaming tem sido muito gentil conosco nos últimos anos. Além disso, nossa gravadora Boogie Angst também está se apresentando muito bem e por causa de ambas as coisas temos sido capazes de nos manter mais ou menos longe de problemas, compensando a falta total de shows ao vivo e DJs sets em 2020/21. Um lado positivo nisso tudo, com a falta de turnês, tivemos muito mais tempo para trabalhar em remixes, singles e um novo álbum. Como o projeto Pleasure Centre fechou um ciclo completo com o lançamento do álbum remixado, esperamos lançar músicas e faixas totalmente novas nos próximos meses.

Com um projeto tão criativo na mão como esse, preciso perguntar: qual é o conselho que vocês podem oferecer à próxima geração de DJs e produtores?

Wow! Embora não haja apenas uma maneira de chegar onde você gostaria, pelo menos a gente lucrou tendo um grande interesse em todos os tipos de música, absorvendo o máximo possível ao longo dos anos. Lembre-se de que existe uma vasta história da Dance Music esperando para ser descoberta por você. Não se limite ao que está acontecendo no presente e a um estilo particular, e se diferencie dos outros, seja original.

Por fim, uma pergunta tradicional do Alataj: o que a música representa na sua vida?

Ah, a pergunta existencial! Falando por mim, sempre gostei da maneira como ela arquiva e estrutura as experiências de vida de uma pessoa, desde a infância. Com determinada música que ouço ou possuo em disco ou qualquer outra coisa, geralmente tenho memórias concretas ou posso apontar exatamente como as coisas eram naquela época. Nesse sentido, é uma companheira muito pessoal que fica com você por toda a vida, o que é um pensamento muito bom. Obrigado!

A música conecta.

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