Skip to content
A música conecta

Faixa a Faixa | Mad Professor vs. Marcelinho da Lua – Tranquilo Dubs The Alternate Takes [Deck]

Por Laura Marcon em Faixa a faixa 22.10.2020

O Faixa a Faixa de hoje traz uma parceria de peso entre artistas importantes de estilos diferentes, em uma mistura maravilhosa que vai das brasilidades mais deliciosas até as ondas do Dub por um grande professor do estilo, literalmente. O músico Marcelinho da Lua se uniu ao grande Mad Professor em uma fusão musical inebriante e que vale muito a pena conferir. Essa fusão inesperada tem uma boa história e mostra a capacidade criativa expansiva de Mad Professor diante de um modesto convite vindo de um fã para um trabalho em colaboração. 

Marcelinho da Lua criou o álbum Tranquilo em 2003, trazendo parcerias com músicos brasileiros expressivos dentro do cenário do país e, ainda que o projeto ja tivesse sido lançado, ele tinha um sonho de que uma de suas faixas fossem remixadas por Mad Professor. Com a ajuda de amigos, o álbum chegou até o artista que não apenas topou fazer um remix como remixou todo o álbum e com seis versões para cada faixa! Após uma seleção, Marcelinho e a equipe da Deck Records lançaram um 1º Volume de remixes. Agora, anos depois, eles mergulharam nas criações de Mad Professor que nunca foram lançadas para apresentar o 2º Volume. O resultado é uma viagem sonora incrível e muito interessante.

Marcelinho vem até o Alataj contar um pouco sobre cada uma dessas faixas, detalhes sobre sua produção e as versões criadas por Mad Professor:

Marcelinho da Lua

O disco foi lançado em 2003, mas havia um sonho de mandá-lo para o Mad Professor. Através de uma amiga em comum consegui fazer com que o disco chegasse até ele com a intenção de fazer um remix de uma das músicas e ele acabou que ofereceu fazer o disco todo. Do disco ele mandou seis versões de cada música, mais ou menos, pra gente escolher. Na época, as versões que escolhemos saiu em um Vol. 1 de remixes e agora, nestes tempos de pandemia, a Deck começou a olhar para o baú dela, o que ela tinha no seu acervo, e o Rafa (da gravadora) encontrou essas versões. Aí a gente parou pra ouvir e também lembrou do documentário que foi feito na época dessa gravação minha e do Mad. Rolou a proposta de fazer o Vol. 2 e na audição das versões acabamos encontrando um material que hoje eu gosto mais do que o primeiro disco. Estes são os takes alternativos que o Mad Professor enviou na época pra gente.

Não Pode Fazer Barulho | Essa faixa começou originalmente com uma brincadeira que eu e minha namorada da época fazíamos de não poder fazer barulho de noite quando a gente chegava na casa dela, e aí a gente desenvolveu uma musiquinha. Como todo disco meu eu gosto de fazer uma música bem maluca, bem tranquila, bem relax, bem viajandona, e a música que é tranquila do disco Tranquilo é a Não Pode Fazer Barulho. Pra essa faixa eu convidei meu amigo Fabio Kalunga, da cena Hardcore aqui, pra fazer umas vozes comigo e chamei o mestre Laudir de Oliveira – leia-se Banda Chicago, Sergio Mendes, Jackson 5, Ed Motta – uma lenda da nossa percussão, para fazer as congas. Eu gosto muito dessa versão porque as congas do Laudir estão muito em primeiro plano na música. Um fato curioso nessa música é que a gente gravou vozes no vinil, ou seja, a gente botou uma agulha em cima do disco, puxou volume até dizer chega e transformou um vinil num microfone, então a gente gravou as vozes gritando e falando em frente ao disco, bem pertinho, e a agulha captou como se fosse uma cápsula de microfone as nossas vozes, então essa música parece que você está no útero da mãe, viajando pra caramba, a ideia foi essa.

Palafita Sunrise | É uma faixa que foi muito legal de fazer. Ela tem um sample que ninguém ligava naquela época, de um disco caríssimo, que eu não posso falar qual é [risos], mas na época eu fiz os vocais com o B Negão e Gabriel Muzak. Também é uma viagem que começou na MPC e foi tomando proporções dentro da gravação. O nome é uma coisa bem tropical, urbana e com uma pegada bem tranquila também dentro do espectro do disco.

Cotidiano | Já dá pra perceber nessa altura do disco que o Mad Professor viajou muito muito nesses delays e efeitos. Em cotidiano ele realmente foi espetacular. Foi a faixa que eu gravei com o Seu Jorge, com Jaguara na percussão que tocava com o Zeca Pagodinho naquela época, e o Luiz Cláudio Ramos, que é um maestro há mais de 30 anos do Chico Buarque. Então eu nunca imaginei que ele poderia desconstruir tanto essa canção do Chico de uma forma tão maravilhosa. Acho que ele foi bem assertivo nessa faixa. Ficou bem ousado, como todo o disco, porque é uma desconstrução de uma canção de Chico Buarque de uma forma única.

Tranquilo | Nessa faixa Mad Professor foi certeiro demais. Ele gravou uns teclados que não tinham na música logo no início e essa coisa dele do delay, das diferentes máquinas que ele deve ter no estúdio com sons diferentes, ele passou dos limites na viagem sonora (de uma forma positiva, é claro). Ele conseguiu, com o maior clássico das minhas composições, colocar a música em outro lugar, em outra viagem. Vale ressaltar que nenhuma dessas faixas estariam tão boas se o Rafa não fizesse a edição e ordem deste disco com perfeição. Você dá o play e a viagem é uma só e isso a gente deve muito à produção do Rafa, que pegou as faixas do Mad Professor e colocou elas em uma ordem alucinante e fez umas edições para a gente não sentir a passagem – ou às vezes sentir a passagem de propósito, de uma forma muito legal. Eu, Black Alien, o baixo do Bi Ribeiro totalmente distorcido, de outro mundo. Ficou fantástica.

Saudade | Essa faixa eu gravei com a cantora lírica experimental Gabriela Geluda, grande amiga, e o que eu achei mais legal é a percussão do Siri, que hoje é artista plástico, além de grande músico percussionista, que fez as tablas da música. Essa viagem sonora ficou muito legal porque eu mandei todos os canais para o Mad Professor e ele secou tudo, tirou várias informações, então isso também é muito legal desse disco, porque ele tirou muitas das informações que tinham nesse álbum e deixam só algumas que já viram uma outra coisa. Então quando ele muda completamente os planos da mixagem original pra colocar uma tabla em primeiro plano, colocar só o bumbo e uma caixa e tirar todas as outras programações e loop, a música fica vazia e dá muito mais espaço para ele explorar os efeitos e foi o que ele fez muito nessa faixa. Eu gosto muito do resultado.

Que Cosa Fuera | Essa faixa eu compus com a cubana Telmare Dias, ela estava aqui no Brasil na época e a gente fez essa faixa. Ela começou inicialmente em cima de um folclore colombiano e a gente partiu pra outra composição a partir desse sample. E nessa faixa especificamente que ficou praticamente instrumental, o Mad Professor usou muito dos reverbs também. É uma faixa que também obviamente transitou para uma outra atmosfera. A profundidade que ele alcançou com essa mixagem ficou incrível.

Cristiania | Ficou uma faixa bem diferente, ele usou dubs, delays e reverbs, mas o que chama muito a atenção são os phasers e flangers que ele usou nessa mixagem, que ele abusou muito. Eu consigo imaginar a session, ele montando a mesa dele com todos os efeitos auxiliares e cada música ele falando “não, nessa aqui eu vou fazer assim, vou nesse caminho. Nessa aqui vou por esse caminho”. O resultado ficou incrível. Cristiania é uma homenagem a um distrito que existe em Copenhagen, na Dinamarca, que é um lugar completamente livre, onde tem pista de skate, festival de Jazz, feira de Marijuana e muita arte, um lugar incrível, que quem um dia for a Copenhagen não pode deixar de conhecer. É uma homenagem a um território livre dentro desse nosso ocidente maluco e cada vez mais careta.

Pro Marcelinho Tocar | É a música do meu coração que o Menescal fez em minha homenagem. Ele fez uma letra que na época a gente não gravou porque eu achava que puxava muita sardinha pro meu lado e eu fiquei um pouco modesto, um pouco tímido pra colocar a letra e a gente decidiu fazer ela instrumental. É uma música que para o Dub é mais complicada porque ela tem muito mais harmonia, então eu achei muito boa a solução que o Mad Professor deu pra essa música. Ele usou a voz do Menescal, a melodia que ele faz de um jeito sensacional porque ele colocou praticamente um Menescal uma hora ali em cima do Dub, só a voz do Menescal e eu achei muito muito divertida essa versão da música que foi feita pra mim. Ficou muito especial.

Sem Bla bla Bla | Foi uma faixa que mudou muito na mão do Mad Professor. Eu adoro o teclado que ele fez com uma melodia jogada, ficou muito boa. Era uma música muito mais seca, sem reverb, sem delay praticamente e com uma guitarra especial do Pedro Sá. Foi uma música que até muita gente tocou na pista, mas ele realmente fez uma parada que levou ela para um outro lado, com um orgão sinistro, de filme de terror. Ficou super diferente.

Refazenda | Uma super música do Gilberto Gil interpretada pela Mart’nália no disco original Tranquilo. Nessa o Mad quase colocou a melodia, o canto inteiro, na música e foi uma desconstrução muito legal. No meio da música tem uma microfonia de delay parecendo que abriu um botão errado num canal que não podia e eu acho muito especial, uma coisa feita na hora mesmo, ao vivo. Cada passada que ele dava na mesa era um take, por isso que ele mandou seis takes de cada uma, porque ele passava a música seis vezes diferentes na mesa e gravava os efeitos que ele colocava em cada uma das situações. Então ali é a prova de que esse foi um disco ao vivo, feito no estúdio, na hora, tocado pelo Dub master Mad Professor.

Jornada | Música de Gabriel Muzak, tocada pela banda que eu tinha na época, Du Bom, do Fábio Kalunga, Tiago Torres e o Muzak. Essa música ele deitou e rolou porque essa é a praia dele, um Reggae meio dubeado e ele fez o que sabe fazer de melhor. A música ficou fantástica, jornada Dub. Amo a letra dessa música também.

Lá Fora | Composição minha e do João Donato. É uma grande honra ter uma composição com ele. Mad também foi muito bem porque é uma música mais complicada, fora do universo Dub, Reggae, é uma música na levada afro-cubana. Ele colocou efeitos sensacionais no coro, pegou muito bem essa levada. Eu arriscaria dizer que foi o primeiro encontro dele com a música latina, hoje ele tem até algumas dubs com cumbia, mas acho que eu fui a primeira pessoa que teve essa troca com Mad Professor de pegar uma música latina, afro-cubana, e colocar no Dub. Foi um resultado sensacional, tanto no piano do Donato quanto no coro.

Não Pode Fazer Barulho | Nessa última música entra um pouco do Rafa porque o Mad pegou um pedaço da última música e colou a voz da Nina, minha namorada na época, no final da música anterior, Lá Fora. Então essa versão de Não Pode Fazer Barulho começa dentro da faixa Lá Fora. Ali aparece bem a voz da Nina, a voz do Kalunga, que a gente gravou no vinil, e uns barulhos de sono, de alguém dormindo que também foi gravado no vinil. Você vê que é uma viagem pesada. A letra em francês que eu escrevi e a Nina traduziu fala da importância do silêncio na hora de você ficar tranquilo, na hora de fumar, de pensar na vida e fala também que no último momento da vida, no silêncio, a gente acha que de repente vai desenrolar todas as memórias em imagens que a gente teve durante a vida num grande silêncio, num som muito etéreo e a gente vai ver a vida passando devagar, tudo o que a gente fez e esse é um momento importante. E a gente gosta tanto dessa versão que é diferente da que abre o disco que a gente botou as duas, uma pra abrir e outra pra fechar. No disco original ela fechava o disco, neste ela abre e fecha.

A música conecta.

A MÚSICA CONECTA 2012 2024