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A música conecta

Alataj entrevista Matrixxman

Por Alan Medeiros em Entrevistas 06.10.2018

Por Chico Cornejo

Charlie Duff representa uma cepa de artistas que nos faz lembrar de outros tempos da música eletrônica. Assim que começamos a falar com ele, nossa memória remete a um momento em que o fator onírico era fundamental na nossa narrativa musical, essa dimensão de sonho e delírio que proveu o pano de fundo para alguns dos mais ricos momentos musicais do último meio século. E ele também sabe disso, tanto que faz desse anseio futurista e da força imaginativa humana uma parte essencial de sua música. É exatamente o que ouvimos em cada um de seus trabalhos, sempre procurando inverter lugares-comuns, subverter convenções e perverter modelos de uma forma minimamente acessível e, claro, dançante.

Ele é um dos membros da tripulação dessa expedição do Dekmantel que vai passar por cinco metrópoles noturnas do Brasil, trazendo aquele nível de qualidade e diversidade musical com a qual já nos habituaram. Tudo começou ontem em Porto Alegre e agora segue para Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e finalizando apoteoticamente na pista do templo catarinense.

Matrixxman on Bandcamp

O aspecto rítmico certamente é algo prevalente em sua música, até onde podemos notar no trabalho finalizado. O quão central ele é nos seus processos de criação e produção?

A maior parte das minhas experiências iniciais de festa foram em áreas urbanas, indo a clubs que tocavam Rap ou só Dancehall e Reggae. Nestes ambientes você aprende bem rápido o quão importante o ritmo é. Para mim, baterias são cruciais e sempre me orgulhei de fazer faixas percussivas que tenham uma “pegada” por assim dizer. Ritmo é a espinha dorsal da minha produção, então pode-se dizer que é, no mínimo, vital para o meu processo criativo

Da mesma forma, faz-se necessário perguntar: a música brasileira, especialmente por seus elementos percussivos proeminentes, teve algum papel em inspirar ou informar seu som tão particular?

Não tenho uma super familiaridade com os estilos de música brasileiros além dos sucessos mais óbvios, mas decerto acho os elementos percussivos bastante inspiradores. Até cheguei a notar que alguns dos breakdowns de faixas minhas possuem um tipo de padrão “boom cha cha, chiq chiq cha” similar a eles e eu nem tinha noção naqueles tempos. As bases de tudo que é inspirado pela música afro-brasileira, particularmente os formatos dançantes da música das favelas é muito foda para mim, ainda que não conheça tanto assim.

Já que tocamos no ponto da herança musical, considerando que temos uma forte presença no gênero, falemos da influência do Drum & Bass que claramente ajudou a moldar seu som. Você nunca se furta de mencioná-lo como tendo um lugar central na sua trajetória musical, mas como isso ocorreu? Foi mais uma coisa online ou você ia a alguns eventos ? Você entrava no fórum do Dogs On ACid ou é cria da turma do Life of Leisure que fazia festas onde você cresceu?

Eu ia a festas e raves por toda a costa leste com um grupo de amigos, notavelmente Paavo Steinkamp (a outra metade do projeto 5kinAndBone5 no qual comecei a produzir) e outro grande amigo chamado James Hainer. Isto era num momento no qual eu já estava farto de Rap e procurava por algo mais, algo super futurista e o Drum & Bass veio para suprir esse anseio perfeitamente. Comecei a ouvir mais e foi bem na época em que tudo ia em direção ao Techstep. Eram algumas das coisas mais frias e malvadas que já tinha ouvido. O sound design e o que os produtores faziam com seus samplers e um punhados de sintetizadores foi algo que mudou minha vida olhando para trás deste momento atual. Honestamente, essas comunidades online mal existiam nessa época, já que estamos falando de 96-97 em diante. Acho que o Dogs On Acid começou a ganhar força quando eu estava começando a prestar mais atenção e migrar em direção ao Techno e à House.

Sendo que o futurismo é algo tão marcante na sua estética, qual sua perspectiva acerca de como nos saímos até o momento? Apesar do clima corrente em termos de tensões políticas e disparidades crescentes das condições de vida através do mundo, seria justo dizer que nos saímos um pouco melhor do que achávamos naqueles tempos após o que ocorreu em 2001. Entre a utopia e a distopia, onde você vê que vivemos hoje em dia?

É bem conflituoso para mim em termos de perspectiva. É como Yin e Yang, não é? Há desenvolvimentos claros que impressionariam imensamente qualquer um em 2001 mas ainda não chegamos lá. Ainda temos um longo caminho a percorrer. Olhe, por exemplo, esta magnífica mulher e seu braço prostético:

Ver algo como isso me dá esperança, mas ao mesmo tempo não é muito difícil pensar que tal tecnologia não vai ser acessível a alguém dos bairros pobres de Mumbai no futuro próximo. Antes eu costumava ser um tanto ingênuo com relação a como as coisas se dariam no final e ainda tendo a me inclinar em direção ao otimismo em geral, mas ultimamente não ando tão certo. Estes estágios finais do capitalismo trouxeram alguns seres humanos no topo que inegavelmente estão destruindo a Terra e aqueles buscando as mais arrojadas inovações na tecnologia não se mostram necessariamente devotados a compartilhar seus benefícios com todos. Até não vermos uma espécie de event horizon no qual uma singularidade tecnológica de algum modo dissolva os desequilíbrios de poder que existem, creio que estou mais no campo da distopia. Não há carência de inspiração para o Techno num pesadelo distópico no mundo real.

E quanto à música? Parece que, em momentos de profundo descontentamento ou desorientação em nossas comunidades, nossa imaginação se dirige mais para o futuro, sendo que a arte que ela nutre aponta para paisagens alternativas e, mais central para nossa conversa, para distintas paisagens sonoras. Se compararmos a produção recente e sua narrativa ao que foi feito, digamos, nos sessenta e oitenta, a impressão que alguém poderia ter é a de que estamos algo defasados, não acha?

Sim, totalmente. O descontentamento desses tempos foi transmutado e armamentado de uma forma mágica que até hoje não vimos igual. Em teoria, deveríamos estar vendo muito mais arte reativa, não apenas em termos de uma conversação acerca de todas essas merdas que estão rolando, mas reativa em termos emocionais. Os oitenta tinham um modo único e magnífico de escapismo e criaram essas soberbas realidades alternativas nas quais qualquer poderia se tocar da maçante monotonia banal diária que a maioria de nós enfrenta. Havia um elemento romântico ali que nunca foi devidamente replicado. Não sei por quê, honestamente. Alguém poderia pensar que, dadas as atuais circunstâncias, esta seria a oportunidade perfeita para criar uma mensagem de nossa geração como as outras antes de nós fizeram. Não sei… Acho que a molecada nos dias de hoje esteja simplesmente sobrecarregada com a vida. Com todo mundo está grudado em seus smartphones e parece viciado em redes sociais, agora somos recebidos por uma constante barragem de estímulos que pode ser fisicamente debilitante para muitas pessoas. Numa virada extremamente irônica, uma super dependência de máquinas parece estar nos jogando de volta na idade das trevas, por assim dizer. Mas agora, mais que nunca, é hora de mergulhar nesses lugares imaginários profundos. Talvez isso possa nos salvar.

Sobre a afiliação com o Dekmantel, qual a história por trás e além da clara inclinação por uma abordagem musical ousada que ambos defendem?

Os caras do Dekmantel na verdade entraram em contato comigo logo no início, quando eu tinha apenas alguns discos lançados. Creio que eles ouviram alguma qualidade inata em mim que curtiram e de alguma forma floresceu e se tornou uma relação adorável. Inicialmente eu procurava fazer algo mais na linha do House, mas isso se moveu em direção ao Techno no decorrer dos anos e eles sempre apoiaram meu crescimento.. Embora, verdade seja dita, ainda que eu toque Techno predominantemente esses dias ainda não hesito em me enveredar pela House ou a Disco se o momento pedir. Francamente, muitas vezes só Techno deixa as coisas chatas.

Então, já que falamos tanto sobre temporalidades diversas e as esperanças que elas trazem consigo, se o Charlie de hoje pudesse dar algum conselho a sua versão mais jovem em qualquer tempo, quando e qual seria?

Eu diria: “Acredite na sua visão. Faça música e arte incessantemente. Foda-se todo o resto.”

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