2015 marcou um raro momento de convergência na música eletrônica. As rádios, que ainda mantinham papel relevante na construção do gosto popular, promoviam uma fusão entre Pop e dance music, a exemplo de hits como Sugar (Robin Schulz & Francesco Yates) ou How Deep Is Your Love (Calvin Harris em parceria com Disciples). Ao mesmo tempo, plataformas de streaming como Spotify começavam a ditar a nova dinâmica de descobertas musicais, enquanto o SoundCloud seguia como principal recurso para lançamentos independentes. Concomitantemente, a presença de grandes festivais internacionais no país começava a se tornar mais constante, ajudando a expandir a visibilidade do estilo e transformando a forma como ele era consumido.
No mainstagem, o EDM era predominante, combinando artistas como Hardwell e David Guetta, que representavam a face mais expansiva e comercial do gênero. Paralelamente, o House e o Techno em suas variações mais acessíveis e melódicas ganhavam espaço com projetos como Claptone, Jamie Jones e Bob Moses, aproximando o público de sonoridades que, mesmo sem romper completamente com o mainstream, apresentavam uma proposta capaz de falar com públicos diversos, partindo da pista e indo até fora da bolha da eletrônica, algo que é muito mais comum hoje do que há 10 anos.
Enquanto isso, uma nova geração de selos e artistas independentes como Palms Trax, Job Jobse, Mall Grab, Peggy Gou e ANNA despontavam como novos protagonistas do House e do Techno, oferecendo repertório que até hoje permanece central no que entendemos como som de referência para a pista. A Hot Creations, por exemplo, cujo catálogo já desdobramos anteriormente na coluna Timeline, vivia sua era de ouro, a Dekmantel Records ampliava sua presença global com EPs que refletiam a identidade que o festival começava a projetar mundialmente e a R&S lançava trabalhos decisivos de artistas como Tale of Us, Nicolas Jaar e Lone. Já a Rush Hour alçava nomes como Hunee, que reinterpretava influências do Disco e do Soul com um toque inovador, enquanto selos como Lobster Theremin e L.I.E.S. davam visibilidade ao boom Lo-Fi House e a трип, fundada por Nina Kraviz, trazia o uma releitura do Techno clássico em seus primeiros releases.
Não há como negar que 2015 foi um ano marcante e um grande divisor de águas para a música eletrônica, em que sons distintos coexistiram e moldaram tanto a percepção popular do gênero quanto o repertório das pistas underground. Não à toa, muitos lançamentos de uma década atrás continuam a soar como produções atuais, com precisão, emoção e modernidade suficientes para não perder a contemporaneidade. A seguir, selecionamos nove faixas que exemplificam por que o som daquela época continua a se misturar com o conceito do presente.
Eric Prydz – Opus (Four Tet Remix)
O remix de Opus feito por Four Tet é interessante por absorver a grandiosidade emocional do original e transformá-la num exercício de construção, estendendo a faixa por quase nove minutos, deixando cada elemento aparecer no próprio tempo. O resultado é hipnótico e contemplativo, algo que até hoje sustenta muitas produções progressivas.
Donato Dozzy – Cassandra
Cassandra mostra com clareza a habilidade de Donato Dozzy criar uma faixa que transita entre passado, presente e futuro. Você sente as origens do Techno, enquanto ouve um som que aponta para o futuro. O baixo em duas notas e os detalhes que emergem lentamente constroem uma atmosfera densa, mas precisa, que segue perfeita para warmups ou momentos de descompressão durante um set.
Jack J – Thirstin’
Faixa que consolidou Jack J como nome essencial da Mood Hut, Thirstin combina groove, baixo e teclados que remetem tanto ao Deep House quanto à Soul Music. Uma produção calorosa e atemporal que sintetiza a vertente mais leve e ensolarada da House Music — e que segue em alta quase uma década depois.
Rex The Dog – Sicko
Sicko é Rex The Dog em estado puro: direto, inventivo e feito para a pista. A faixa usa a base do Electro House da época combinado a linhas ácidas e sintetizadores com uma pegada retrô e melódica, estrutura que remete de forma clara com a abordagem do Indie Dance que ganhou força nos anos seguintes.
Hot Chip – Need You Now
Need You Now traduz o que o Hot Chip sempre soube explorar: do Indie ao Pop, do Pop à música eletrônica. O sample principal se mistura a sintetizadores e bateria House, enquanto os vocais de Alexis Taylor sustentam certa melancolia. O resultado é atemporal: uma faixa que conversa com a pista enquanto mantém a identidade de banda.
DJ Koze – XTC
Minimalista e emotiva ao mesmo tempo, XTC é um dos grandes marcos de 2015, que mostrou DJ Koze no auge de sua sensibilidade. Com batida contida e um vocal repetitivo que parece suspenso no ar, a faixa avança em clima hipnótico e melancólico, mas sem perder o apelo direto de pista. Sua estética conversa diretamente com a intersecção do Deep House com o Minimal que também é visto em muitas produções de House da atualidade.
Tale of Us – North Star
Lançada pela R&S, North Start representa o ápice de qualidade criativa do Tale Of Us e marcou o momento em que o duo italiano consolidou uma fórmula predominante em parte de suas produções de Techno melódico, com pressão e melancolia ajustados numa balança que não se equilibraria da mesma forma novamente. O uso de arpejos sintéticos e graves modulados cria uma sensação de expansão constante na faixa, algo que continua presente em muitas produções atuais, dentro e fora do espectro do chamado Melódico.
Palms Trax – In Gold
Lançada pela Dekmantel Records, In Gold tem aquele brilho característico de sintetizadores analógicos, bateria marcada, minimalismo nos elementos e um movimento que parece sempre prestes a mudar e que causa a sensação de controle e imersão. É uma verdadeira joia, que conversa diretamente com as origens da House Music e, justamente por sua abordagem clássica, nunca deixa de ser atual.
Helena Hauff – Spur
Presente no álbum Discreet Desires, Spur, mostra o Techno minimalista e sombrio de Helena Hauff baseado em linhas de baixo ácidas e bateria marcada. É um registro fiel da onda electro/EBM que voltou com força em 2015. Este e outros trabalhos daquele período ajudaram a consolidar a alemã como uma das vozes mais autênticas da cena.