Chegamos ao terceiro e penúltimo episódio de The Brothers Beats, uma série especial onde eu e minha colega de redação Laura Marcon contamos como o Hip Hop e a Música Eletrônica de fato surgiram, além de todas as suas similaridades que já foram provadas e discutidas nos dois primeiros. Você ainda não leu os episódios anteriores? Como assim? No primeiro episódio eu conto como o Hip Hop e a Música Eletrônica surgiram e como ambos os estilos musicais são basicamente a mesma coisa apesar das diferenças culturais, enquanto Laura aborda os caminhos distintos que foram trilhados por ambas culturas no segundo episódio. Aconselho que você leia desde o começo essa série se você caiu de paraquedas aqui e agora.
O que é que ninguém vê mas todos são capazes de sentir? Tem ideia de como responder essa pergunta? Vou dar uma dica, é a forma de arte que fez você clicar no link que te trouxe até aqui. Deu pra sacar? A música! É justamente sobre seus aspectos mais técnicos que o texto de hoje vai tratar. Máquinas mais usadas, diferenças entre as qualidades musicais, estilos de mixagem e outras coisas mais quando comparamos o Hip Hop com a Dance Music.
Não existe a menor possibilidade de começar esse texto sem abordar uma das máquinas mais imponentes dentro do Hip Hop, que mesmo após quatro décadas de seu lançamento, continua sendo uma das peças mais importantes para o estilo, a Roland TR-808.

Tida como a mãe das baterias eletrônicas, a 808 não foi a primeira groovebox a ser lançada, e se entrarmos na nóia de qual foi a primeira caixa de ritmos automática a ser fabricada, precisamos retornar ao século XII. Bizarro, mas estudos mostram que em 1200 já existiam engenhocas capazes de criar ritmos.
Bom, e se a 808 é a holy grail das drum machines, quer dizer que ela fez sucesso desde o seu lançamento, né? Negativo. No final dos anos 70 e início dos anos 80, as marcas japonesas dominavam o mercado de instrumentos eletrônicos, o problema é que além fornecerem equipamentos super revolucionários e com layout e funcionalidades que até então não eram conhecidos, nenhum tipo de instrução era fornecido ou, quando era, era em japonês. Resultado? Fracasso em vendas que motivaram a Roland descontinuar o produto após somente três anos de seu lançamento.
A glória da 808 veio em meados de 1980, após os primeiros desbravadores do equipo gastarem horas e horas em cima da drum machine, entendendo todas as possibilidades que ela tinha. Uma das primeiras faixas que fizeram grande sucesso usando a 808 como drum machine foi Sexual Healing, do grande Marvin Gaye.
E no Hip Hop? Você sabe me dizer qual foi o primeiro grande hit que utilizou a 808 como drum machine? Não tem nem como dar dica desta vez, ela mesma Planet Rock, do Afrika Bambaataa. Foi a partir de Planet Rock que o Hip Hop se curvou para o bumbo intenso que a 808 tem. Sim, sim e sim, eu sei que outras faixas de Hip Hop utilizaram a 808 antes, mas o ponto aqui não é quem foi o primeiro maluco a usar esse aparelho que até então parecia ser de outro mundo, e sim quem o fez ser ouvido por todos.
Nas também jovem e recém-nascidas Techno e House Music, a 808 também se faz muito presente até os dias de hoje, mas se falando de fundamentos e primeiros artistas a utilizarem essa belezinha como bateria, não posso deixar de citar On and On da lenda de Chicago, Jesse Saunders.
E se tratando de samplers, qual a máquina revolucionária para o Hip Hop? Diferente das baterias eletrônicas que permitiam programação – como a 808 – os samplers não eram uma tecnologia nova, porém utilizar sons pré- gravados dependiam de máquinas gigantescas e extremamente caras como o Fairlight CMI, sampler que ficou famoso pelas mãos de artistas como Herbie Hancock e Quincy Jones. Aliás, existe um vídeo magnífico no Youtube mostrando Herbie e Quincy trabalhando em um CMI. Preço de lançamento do CMI em 1979? 18 mil libras.
Com o avanço dos microchips, esse tipo de equipamento passou a ser reduzido tanto em tamanho quanto em valor, até que em 1987 surge o E-mu SP 12, tido como o primeiro sampler portátil e de fácil acesso. Quando essa máquina chegou no mercado, o mundo mudou. O que antes era necessário como um estúdio grande e uma gama de profissionais, agora um DJ poderia fazer de dentro da sua casa. O SP-12 é o irmão mais velho do SP 1200, ambos são bem parecidos em termos de layout, o que muda é a capacidade de processamento e armazenamento.

Um vídeo da SP-1200 sendo usado? Temos. Ninguém menos que Ice Cube e Jinx fazendo o que no próprio eles dizem: Funky Rap.
Mas rola usar a SP 1200 pra fazer música eletrônica? Com certeza, se liga no Alan Braxe explicando como ele fez Intro, lançada em 2000.
Na discotecagem as mudanças em termos de técnica também existem apesar dos equipamentos serem os mesmos 100% das vezes. Enquanto na música eletrônica as mixagens mais contínuas são desejadas, já que o intuito é criar uma atmosfera para aqueles que estão presentes na pista, no Hip Hop as coisas mudam e tem muito mais espaço para irreverência.
Você já ouviu falar sobre Turntablism? Turntablism é o nome dado para o ato de se manipular discos a fim de se criar novas sonoridades, podendo ser efeitos ou ritmos/batidas. Sabe quando o DJ faz scratch? Então isso é Turntablism.
Se liga nesse vídeo do DJ Angelo fazendo Turntablism, onde fica bem claro qual é a ideia de se pegar dois discos e juntar os dois ao ponto que ambos virem uma música só.
Além do Turntablism, existe também o Beat Juggling, que nada mais é que o processo de sampling antes dos samplers existirem. Todo o processo de loop de um trecho musical é feito manualmente com dois tocadiscos e um crossfade. DJ BABU explica perfeitamente o que é e como fazer Beat Juggling nesse vídeo aqui:
Tanto o Turntablism quanto o Beat Juggling tiveram seu nascimento dentro da cultura Hip Hop, porém não são exclusivos dela. Na música eletrônica de fato essa forma de mixar é cara, porém não inexistente. O exemplo que vou te trazer agora é nosso, DJ Marky é um artista que domina o Turntablism como poucos no mundo.
E mais uma vez é possível ver o quão iguais são o Rap e o Techno. Mesmos equipamentos, mesma época de desenvolvimento e quase sempre os mesmos profissionais envolvidos, o split ocorre mesmo na forma de como os artistas se posicionam perante as ferramentas disponíveis e dentro da tendência que ambas culturas foram desenvolvendo. Entendeu agora o título?
A música conecta.