Skip to content
A música conecta

1990-2010: O tempo da arte não é o tempo do relógio

Por Alan Medeiros em Notes 02.07.2025

Na história, o tempo é linear. Feito de datas, fatos e cronologias que organizam os acontecimentos em sequência. Na arte, e especialmente na música, o tempo opera de outra forma: com intensidades que não obedecem ao relógio. Uma faixa de 1998 pode parecer mais atual do que um lançamento feito ontem. Um disco esquecido por décadas pode, subitamente, se tornar central em uma cena. Por quê?

A resposta talvez esteja na diferença entre tempo objetivo e tempo subjetivo. A história oficial mede o tempo pelos registros; a arte mede com outras ferramentas de contexto. A música eletrônica, com seus ciclos de reedições, remixes e recontextualizações, é o campo ideal para observar esses paralelos. São raros os gêneros onde um mesmo som pode atravessar décadas sendo reinterpretado sem perder força. Às vezes, é justamente fora de seu tempo que uma faixa encontra sua razão de existir.

Fatima Yamaha, por exemplo, lançou What’s a Girl to Do em 2004, mas foi dez anos depois que a faixa explodiu em clubs e pistas, como se só então o mundo estivesse pronto para ela. Em outros casos, são as escutas que mudam: faixas resgatadas por DJs, redescobertas por fóruns ou revalorizadas por novos contextos culturais. O tempo da arte é esse: feito de desvios, retornos, demoras. Um tempo em que relevância não se mede pela matemática dos segundos. 

Talvez seja por isso que certas produções soam eternas. Não porque nasceram clássicas, mas porque ativam camadas de sensibilidade que continuam vivas. Não é a data que determina sua potência, é o momento em que elas nos atravessam. O ouvinte se torna, então, o verdadeiro marcador de tempo da música. Somos nós que damos sentido, que reativamos, que mantemos uma obra viva. É nesse gesto de escuta que o tempo subjetivo se revela mais verdadeiro do que qualquer cronologia.

Esse tipo de percepção não cabe em rankings ou timelines. Mas talvez esteja nas entrelinhas de muitas das playlists da série 9010, série especial publicada entre 2019 e 2020, onde convidamos DJs a revisitar exclusivamente músicas todos os anos entre 1990 e 2010. O resultado nunca foi uma fotografia congelada da época, mas sim um mapa coletivo daquilo que segue reverberando, décadas depois, mesmo que para uma pessoa só. Em tempos de excesso e velocidade, olhar para trás com profundidade é também uma forma de seguir em frente.

Relembre todas as playlists da série:

A MÚSICA CONECTA 2012 2025