A história da música eletrônica é também a história de como as pessoas se conectam. Nos primeiros anos da cena, festas, festivais, selos e lojas de discos eram pontos de encontro onde trocas e referências circulavam entre agentes do ecossistema, construindo relações de confiança e apoio mútuo. Desses espaços nasciam colaborações, identidades sonoras, novos coletivos… Ideias começaram a se materializar quando pensadas e promovidas em conjunto. O networking, nesse contexto, não era um plano de ação ou estratégia, mas uma consequência natural da cultura que se formava pela troca, pela convivência e pelo desejo de construir algo em comum — e fortalecer o movimento a partir dessas bases.
Com a expansão do mercado e a digitalização da cena, essa dinâmica se transformou. A internet encurtou distâncias e ampliou o alcance das relações, mas também alterou o tempo de amadurecimento dos vínculos, onde o contato direto, antes mediado por presença, tempo disponibilizado e colaborações, passou a coexistir com conexões rápidas, construídas em torno das oportunidades. Consequentemente, a credibilidade, que antes se consolidava com base em constância e coerência daquilo que era entregue, agora é constantemente renegociada pelo poder de influência e de quanto o outro pode oferecer para você ou vice-versa.
O networking deixou de ser uma consequência natural da cultura para se tornar parte ativa de sua estrutura. Essa mudança, embora inevitável, levanta uma questão importante: qual o limite entre se conectar e se promover? Há uma diferença essencial entre relações que se constroem pela colaboração e aquelas movidas por interesse unilateral. A primeira se desdobra pelo investimento emocional e profissional, em acreditar que aquela troca pode ser benéfica para a evolução de ambos ou da cena como um todo; a segunda, é direcionada à conveniência do que se espera para si. O impacto disso é perceptível: quanto maior a superficialidade dos acontecimentos, mais difícil se torna sustentar vínculos genuínos e quanto mais esse ritmo se acelera, mais a nossa cultura perde densidade.
Estar presente e ser lembrado passou a ter quase o mesmo peso que o próprio trabalho em si. Contudo, ser visto não é o mesmo que ser reconhecido. É comum ouvir que “quem tem mais contatos chega mais longe” e, de certo modo, isso é verdade, pois conexões podem abrir caminhos, mas elas não os sustentam sozinhas. Você pode ser lembrado por estar exposto, mas isso não necessariamente garante a criação de vínculos, que são o objetivo final dessa ponte entre artistas, produtores e público. O que define a relevância real de um networking não é o número de pessoas que se conhece, mas a qualidade do que se constrói em conjunto. Por isso, relações baseadas em troca, confiança, coerência e reciprocidade continuam sendo o pilar mais forte para a consolidação de algo duradouro.
Em meio a esse cenário, o equilíbrio entre visibilidade e autenticidade se tornou um medidor da maturidade sobre a postura daqueles que figuram na cena e sobre os elos que almejam alcançar. Estar presente e se promover faz parte do trabalho, desde que isso seja para transpassar uma extensão natural da sua própria identidade e não ansiedade por aceitação. Trata-se de fortalecer conexões que representem as mesmas convicções e valores que movem a conduta e o trabalho do artista, assim, o networking deixa de ser um grande objetivo e passa a se tornar uma consequência natural de relações que refletem a mesma verdade.
Nesse sentido, essas conexões devem ser entendidas como uma ferramenta de colaboração em prol da força do coletivo e não apenas para movimento de autopromoção, pois são elas que conectam gerações, fazem projetos circularem e permitem que diferentes movimentos se fortaleçam entre si. Não é sobre estar em todos os lugares, mas sobre estar nos lugares certos, de forma significativa, onde haja troca, propósito e vontade real de somar com quem está ao seu lado e ao redor.
No fim, a forma como cada artista se relaciona e constrói sua reputação passou a ser parte indissociável do próprio trabalho. As relações construídas, o modo de se comunicar e o respeito com o qual se ocupa os espaços definem tanto quanto o talento. A partir dessa leitura, apresentamos nossa interpretação para os 10 mandamentos do networking — princípios que ajudam a construir presença com propósito, respeito, autenticidade e compreensão de que nenhuma trajetória prospera sozinha.
1. Entenda o valor do networking
Conexões não servem apenas para avançar nos próprios objetivos, mas para sustentar e evoluir a cena como um todo. Ninguém constrói nada relevante sozinho.
2. Promova conexões sem esperar nada em troca
Se conhece alguém que pode ajudar outra pessoa, conecte-as. A generosidade cria pontes que podem retornar de formas inesperadas.
3. Esteja disposto a colaborar antes de pedir.
A troca é o que mantém a cultura viva. Estar disposto a somar é o primeiro passo para que o respeito seja recíproco.
4. Priorize coerência antes de visibilidade.
O modo como você se posiciona deve refletir seus valores e identidade e devem ser mais importantes do que ser visto. Reputação é postura e continuidade.
5. Construa relações fora das redes.
As conversas, trocas e encontros reais seguem sendo o fator principal para a consolidação de confiança.
6. Reconheça o trabalho dos seus colegas.
Valorizar e divulgar o que é feito ao redor fortalece a cena e mostra maturidade profissional. A cultura de pista não é uma competição.
7. Saiba recuar quando for preciso
Nem toda oportunidade combina com seu momento ou seus princípios. Selecionar onde e com quem estar é parte da consistência do seu trabalho.
8. Seja constante e confiável.
Cumprir o que promete e respeitar os processos dos outros é o que transforma presença em credibilidade.
9. Cultive respeito até nas discordâncias.
A maturidade se mede pela capacidade de coexistir com opiniões e comportamentos diversos, mesmo que isso frustre a sua ideia inicial sobre o mesmo objetivo.
10. Lembre-se: networking é sobre pertencimento.
As conexões que duram nascem quando há propósito, ética e vontade real de construir juntos.