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A música conecta

Diggin Essence | Sol Ortega

Por Elena Beatriz em Diggin Essence 30.09.2025

A Diggin Essence está de volta para sua segunda temporada. De setembro a dezembro, sempre na última terça-feira do mês, a série apresentará uma visão sobre o perfil de discotecagem de quatro protagonistas da profissão: Sol Ortega abre a temporada; na sequência, Trajano, Laurine & Cecilio e por fim, Vermelho. A proposta segue com intuito de entender a essência de quem pesquisa, organiza referências e dá sentido à pista. Antes de listar feitos, olhar para os porquês de cada artista.

No caso de Sol Ortega, natural de Buenos Aires, a conexão com a arte apareceu cedo como uma necessidade constante de criação e vazão ao que carregava dentro de si. A fotografia foi o primeiro direcionamento, ainda que cedo tenha ficado claro que sua expressão transbordava para outras áreas, sendo a principal delas a música eletrônica, que desde pequena já circulava em casa e que foi ganhando um espaço natural de descoberta. O tio, DJ e colecionador de discos, era um frequentador assíduo dos clubes da cidade, enquanto o pai, ainda que ligado de forma mais leve, não apenas a levava para assistir a essas apresentações como também a apresentou a nomes que se tornariam parte de suas referências, a exemplo de Lil Louis, Kraftwerk e Juan Atkins. 

Essas experiências moldaram a forma como Sol passou a enxergar a música como um espaço legítimo de construção pessoal. Buenos Aires foi o cenário que deu consistência a essa percepção: sua cidade natal, com a cena eletrônica em expansão constante, ofereceu tanto os palcos quanto a comunidade necessários para que ela pudesse experimentar, errar e se afirmar.

Aos 16 anos, começou a tocar em festas. Pouco tempo depois, essa vivência já havia se transformado em trabalho, com compromissos regulares e a responsabilidade de conduzir pistas cada vez mais diversas. Em 2016, dois anos depois de iniciar seu trabalho com a discotecagem, assumiu residência no tradicional Under Club, espaço que a conectou a artistas de peso e funcionou como porta de entrada para participar do Boiler Room Buenos Aires (2018), dividindo line-up com Richie Hawtin. Nesse processo, Ortega se consolidou como uma das vozes femininas mais expressivas da cena latino-americana, em um circuito dominado por homens de raízes europeias ou norte-americanas.

De lá para cá, os marcos se multiplicaram: apresentações no Berghain, Concrete, fabric london, Fabrik, Rex Club, Tresor, Watergate e tantos outros clubes icônicos da Europa, além de turnês pela Ásia e por praticamente todos os países da América do Sul, incluindo o Brasil. A projeção internacional, no entanto, nunca significou ruptura com suas origens. Buenos Aires segue sendo sua base. É dali que Sol organiza seus projetos, produz música e conduz iniciativas culturais voltadas a fortalecer a cena local e abrir espaço para novas gerações. Mesmo indo longe, ela não esquece de onde veio e segue movida pela certeza de que contribuir para que essa cultura floresça é parte essencial de seu trabalho.

Essa combinação entre expressão artística, referências familiares, senso de comunidade e imersão precoce na noite portenha é o que nos leva à pergunta que inaugura a nova temporada: o que compõe a essência de Sol Ortega como DJ? A resposta passa por pesquisa, técnica e personalidade, mas também por escolhas de vida, pelo compromisso com a música e pela vontade de ver sua cena local crescer a partir de dentro.

A seguir, destacamos momentos que moldaram a trajetória de Sol Ortega e explicam por que hoje seu nome figura entre os principais da América Latina.

O início em Monte Grande: warm-up em pista de Hip Hop

Sol Ortega deu seus primeiros passos como seletora aos 16 anos, começando a tocar profissionalmente no ano seguinte. O palco de estreia não foi uma grande casa noturna, mas um clube de bairro, em Monte Grande, que realizava, em sua maioria, festas de hip hop. O set, segundo ela mesma relembra, foi sem muito sentido ou coerência. Ainda assim, por se apresentar em ambientes onde predominavam outros estilos, Sol foi obrigada a afiar sua capacidade de adaptação, entendendo como combinar gêneros distintos e, ao mesmo tempo, manter a pista conectada.

Esse período inicial, marcado por erros, tentativas e aprendizados, deu a ela a chance de testar repertórios e construir confiança. Mesmo não sendo o começo padrão esperado, a experiência foi essencial para formar a artista que viria a se tornar.

Residência no Under Club

A residência no Under Club deu a Sol a responsabilidade de abrir e fechar noites em line-ups diversos. Abrindo a noite para outros artistas ela desenvolveu um espaço seguro em que aprendeu a segurar energia, alongar mixagens e respeitar a narrativa que o início da noite pede. Saber fazer um bom warm up é uma das bases para formatação de um bom DJ e Ortega desenvolveu tais habilidades por lá.

Boiler Room Buenos Aires (2018)

O convite inesperado para o primeiro Boiler Room da Argentina a colocou diante de um público global, transmitida lado a lado com Richie Hawtin. O set viralizou, recebendo elogios e críticas dos mais variados tons. Para Sol, foi um momento que testou não só sua seleção, mas sua postura diante da exposição. A partir daí, ela passou a valorizar ainda mais a precisão das transições e a coesão narrativa, características lembradas em comentários que comparavam seu set a “bons registros do fim dos anos 90”.

Capacidade de adaptar a leitura de pista em contextos distintos

De pequenos clubes no interior da Argentina a palcos como Berghain ou fabric, Sol mantém a coerência do repertório sem perder a leitura local. Essa segurança entre manter sua assinatura e dialogar com públicos distintos é uma marca reconhecida por quem acompanha seus sets. Na mixagem, prefere transições que deixam o groove respirar e cortes secos em momentos estratégicos. Ela também não sobrecarrega os sets com efeitos, priorizando transições mais limpas. Essa estética, onde o foco está no feeling, cria uma sensação de continuidade mesmo quando há troca de BPMs ou de gêneros.

Hablando Detroit com sotaque portenho

Sua identidade sonora é profundamente enraizada e orientada pelas raízes do techno de Detroit, uma estética que ela consolidou como marca pessoal e reconhecível. O som de Ortega, que transita entre techno, house e electro, é distintamente moldado pelas nuances características dos velhos sons de Detroit. Sol é reconhecida por se manter fiel ao seu arsenal musical, que inclui caixas e caixas cheias de vinil inspirados por Detroit, e que ela utiliza para conectar as nuances clássicas da motorcity em seus sets.

Sua profunda admiração por esta herança é evidente em suas inspirações, já tendo citado figuras como Juan Atkins, Robert Hood, Mike Banks e Jeff Mills como artistas fundamentais para a sua decisão de tocar e produzir música eletrônica. Ortega ainda é co-fundadora da Detroit Classic Gallery, um selo e escola musical baseado em Buenos Aires e criado especificamente para homenagear e perpetuar a história musical da cidade berço do techno.

Técnica, improviso e relação de longa data com a música eletrônica como método

Seja nas produções assinadas como Sol Ortega ou sob o alias SO, seja em seus sets de vinil, a artista mantém como norte a pesquisa constante. Ela já afirmou que raramente prepara um set de antemão, mas organiza pastas, define caminhos possíveis entre o vinil e o digital e deixa o momento decidir. Essa escolha dá espaço para desvios e acasos que se tornam parte da experiência, e que ela encara como virtude. É um processo que reflete técnica, emoção e entrega, sustentados por uma confiança que vem de anos de estrada e de uma relação íntima com a história da música eletrônica, do House ao Techno.

Analisando por um panorama geral, o percurso de Sol Ortega é marcado por uma consistência rara de quem sabe o que quer transmitir. Desde os primeiros sets até as cabines mais exigentes do circuito global, o que a sustenta é uma combinação de resiliência e de uma base sólida que começou a ser formada ainda quando muito jovem, sempre colocando a música em primeiro plano. A pesquisa contínua, que vai dos discos clássicos de Detroit e Chicago até o garimpo incansável por vinis pouco explorados, reflete um compromisso não apenas com o próprio repertório, mas de respeito e curiosidade sobre a história da cultura que nos cerca. O que deixa isso ainda mais bonito é a forma como esse olhar de quem busca a história se mistura ao desejo de colocar sentimento em cada criação.

A essência de Sol, portanto, está na forma como mantém as raízes como guias permanentes, sejam as próprias ou aquelas que ela busca entender e integrar para poder expressar. É uma postura que faz dela não só uma artista precisa, mas uma referência de como construir carreira com propósito: estudando, criando, resistindo e abrindo caminhos para que outras pessoas possam também encontrar na música um espaço de expressão e inspiração.

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