A Diggin Essence segue com sua segunda temporada. De setembro a dezembro, a série apresenta o perfil de um artista destaque na discotecagem. Depois de Sol Ortega — que acaba de ser anunciada para se apresentar no Brasil, em janeiro de 2026 —-, o segundo capítulo deste ano é dedicado a Trajano, DJ e produtor musical paulistano que completou 10 anos de carreira em 2025 e se tornou uma das vozes mais consistentes da nova geração da música eletrônica brasileira.
O interesse de Flávio Paixão Trajano Alves pela música começou ainda na adolescência, na Zona Oeste de São Paulo. Antes dos 18 anos, ele já frequentava pequenos eventos locais como Orbital e Psymind, festivais como a Tribe e, posteriormente, festas como a Nova Era, encabeçada pelo duo Insanity (formado por Felipe Eduardo e Allan Nailton) em Carapicuíba, referências que despertaram o desejo de entender o que acontecia por trás das cabines.
Sem tradição musical na família, buscou o aprendizado por conta própria ao ter os primeiros contatos com a discotecagem, em meados de 2015, através dos amigos e colegas de cena, Guiga e Piccini, posteriormente, com o duo Insanity e com Rafael Onid, que o apresentaram à cultura do vinil e às bases da mixagem. Os encontros e trocas geralmente aconteciam em um pequeno estúdio no subsolo da casa do DJ Fit, onde Trajano passava as noites treinando depois de seu trabalho diurno.
A necessidade de tocar e experimentar sonoridades o levou querer criar o próprio espaço. Em Osasco, ajudou a fundar o antigo coletivo Holograma, responsável por eventos em bares locais que reuniam amigos e novos talentos da cena. A Nova Era, no entanto, foi o ambiente que consolidou sua formação. Depois de fazer warm-ups para o coletivo, em 2018 Trajano foi convidado para se tornar residente da festa, o que ele considera um marco pessoal. O coletivo proporcionou diversas gigs para o artista dentro da grande São Paulo e também sua primeira viagem para tocar em outros estados, com uma estreia em Ponta Grossa (PR).
Essa soma de vivências entre se tornar residente de um coletivo tão importante para a sua região e a expertise acumulada entre anos de festas enquanto público, moldou seu olhar sobre a pista. Desde o início, Trajano enxergou a discotecagem como um exercício de observação: entender o que funciona, o que não funciona e o que se pode aprender com ambos. Sua identidade sonora é resultado desse compromisso. Quanto mais você direciona atenção para os seus sets e produções, mais você tem a aprender sobre suas referências e sua autenticidade sobre elas. Em suas palavras, o importante é a pesquisa constante e o respeito pela construção da pista.
O reconhecimento, que vinha de forma orgânica, ganhou nova dimensão em 2022, quando Lisa Uhlendorff, que na época atuava como Artist Liaison e Marketing na ARCA, o convidou para integrar o lineup do Boiler Room São Paulo, um dia que ele descreve como divisor de águas. O convite abriu portas para as primeiras turnês internacionais na América Central e Europa, onde inclusive participou da programação da HÖR Berlin, e para grandes pistas da América do Sul, a exemplo da Tomorrowland Brasil, dividindo lineups com artistas como Nina Kraviz, Francesco Del Garda, TINI e Quest.
De lá pra cá, Trajano vem consolidando sua presença global sem se desconectar da base que o formou. Suas produções foram lançadas por selos como Distrikt Paris, Lemaia, Core e NOCC TV, e já chamaram atenção de nomes como DJ Koolt, Z@P e Carrau. Paralelamente, segue como residente da Nova Era.
Outro ponto de destaque na carreira de Trajano é sua conexão e parceria com o DJ e produtor Villaça. Os dois, além de co-criarem tracks como Aquela Lá, para a label londrina NOCC TV, em 2023, fundaram neste ano de 2025, ao lado de Flo Massé, a record label Campana Records, que se tornou uma extensão natural do trabalho de pesquisa que já faziam nas festas e nos estúdios.
Entre a pesquisa, as conexões e a vivência noturna em São Paulo, Trajano construiu uma trajetória que reflete equilíbrio entre consistência e sucesso. Ele acredita que o êxito depende tanto de talento quanto de estar presente — viver a noite, observar e absorver as experiências da melhor forma. Dessa soma de experiências nasce a essência que a Diggin Essence investiga: o que faz de Trajano um dos DJs mais respeitados e autênticos da sua geração?
Um verdadeiro digger
Trajano mantém viva a prática de garimpar joias raras em vinil. Usar discos em suas apresentações ou simplesmente ouvi-los em casa é mais do que obter um acervo, é parte da identidade que ele construiu. Nos seus cases, nada está ali por acaso, cada disco traduz horas de pesquisa, conversas e trocas, independentemente do estilo musical. Sua abertura para consumir diversos gêneros e produtores molda a abrangência de seu repertório. Logo, Trajano consegue se adaptar a qualquer contexto de pista, entregando ou recebendo a pista de diversos artistas e ainda assim mantendo a coerência entre assinatura e leitura de ambiente.
Conexão imersiva com a pista
A discotecagem de Trajano é marcada pela construção de uma experiência mental e hipnótica. Seus sets se desenvolvem em camadas, unindo elementos do Minimal Techno, Electro, Techno, Acid e vertentes similares. Mesmo quando alterna entre estilos, há uma assinatura perceptível, um senso de continuidade e atmosfera que faz com que seja possível reconhecer que é ele tocando.
O valor da progressão no set
O ritmo das transições é outro traço particular. Trajano não tem pressa. Ele entende o valor do tempo dentro de um set e cria espaço para que cada faixa respire. O público sente a progressão, percebe as nuances, presta atenção no que está sendo proposto. Essa prática é vista como essencial para que a audiência possa aprofundar a experiência.
Escutar para compreender
Um dos pilares do trabalho de Trajano é a observação. Desde o início, ele enxerga a pista como um espaço de aprendizado contínuo, tanto ao tocar quanto ao assistir outros DJs. Frequentar festas foi e continua sendo parte essencial do seu processo. Ele costuma frisar a importância de consumir o que gosta e aquilo que não está tão habituado, reconhecendo e extraindo o melhor que cada um dos mundos pode oferecer. Essa postura o mantém em constante atualização, amplia suas referências e o afasta da repetição. O resultado aparece na maneira como estrutura seus sets e nas decisões que toma em tempo real.