O New York Times publicou recentemente um artigo editorial intitulado Dance Music Is Booming Again. What’s Different This Time? A Lot. Parece uma afirmação ambiciosa, e até empolgante, mas será que é bem assim? Ao longo da leitura, fica aquela sensação de que o texto tenta vender uma ideia sem apresentar bases tão sólidas. A música eletrônica está bombando mesmo ou estamos diante de um artigo que meio que traz obviedades para quem realmente vive essa cultura?

Vamos lá: o editorial narra cenas efervescentes em Nova York — de um set explosivo do Solomun no Brooklyn Navy Yard a uma pista com 200 pessoas suadas sendo comandadas por Moxie. Também destaca o impacto do Boiler Room e o alcance global de estilos como o Funk BR, Hard Techno e Afro House. Tudo parece indicar um momento de expansão, mas será que é tão diferente assim dos outros picos históricos da música eletrônica?
O maior problema do artigo está em sua perspectiva meio “bolha americana”. Fica aquela impressão de que o autor vê o crescimento de algumas cenas pelo país e já conclui que o mundo inteiro está na mesma onda. É reconhecível que a música eletrônica está em alta nos Estados Unidos, especialmente depois de anos dominados pelo EDM, o público parece finalmente se reconectar com uma cultura mais ligada aos sons de pista. Mas, convenhamos, essa não é a realidade global. Números recentes de relatórios do IMS e do TikTok indicam que há sim crescimento de mercado, mas há o que se debater em torno deles também, como já falamos anteriormente por aqui.
Aliás, essa percepção de que a música eletrônica está “bombando” não é unânime nem mesmo nos Estados Unidos. O próprio artigo menciona dificuldades enfrentadas por clubs icônicos de Nova York e a pressão econômica sobre espaços noturnos. Além disso, há uma discussão crítica sobre como festivais gigantescos têm sugado recursos dos pequenos clubs, agravando a concentração de capital na indústria musical. Será mesmo que estamos diante de um momento de renovação sem precedentes ou apenas presenciando uma reorganização de forças dentro da cena?

Outro ponto curioso do artigo é o tom de surpresa com o crescimento da música eletrônica após a pandemia. Será que alguém realmente achava que, depois de anos de isolamento, as pessoas não voltariam às pistas com sede de dança? Uma demanda reprimida que é facilmente explicada nesse caso. A relação entre cultura de pista e momentos de ruptura social é histórica — da explosão dos clubs de Nova York nos anos 80 ao retorno das raves ilegais nos anos 2000. A percepção de que o público está “sedento” por experiências coletivas é quase matemática.
E aí vem o título: “Dance Music Is Booming Again.” Não soa meio agridoce? Claro que tem muitos artistas estourando, mas tem também gente lutando para se manter relevante. Tem festival que lota e club que fecha. Dá para cravar que é um boom generalizado? No macro, talvez. Mas, no micro, a história é outra. Afinal, quando falamos em música eletrônica, não dá para ignorar a complexidade das cenas locais, que nem sempre compartilham do mesmo otimismo econômico dos grandes eventos.
Há também uma questão simbólica: quando um veículo como o NY Times decide publicar um editorial afirmando que a música eletrônica está em alta, isso, por si só, já é um sinal interessante. Para um público que ainda vê cenas de outros países com certo distanciamento — talvez os mesmos que acham que os campeões da NBA são os “campeões do mundo” — o artigo pode soar como uma descoberta. Mas para quem está envolvido com a música eletrônica há anos, o texto não traz exatamente uma perspectiva inovadora ou argumentos tão disruptivos.
De qualquer maneira, é interessante ver o NY Times entrando nessa conversa. Mesmo que o texto não explore totalmente as nuances do assunto, ele abre espaço para refletirmos sobre o impacto da música eletrônica na cultura contemporânea. Talvez o verdadeiro sinal de que a música eletrônica está, de fato, “bombando”, seja justamente o fato de estar no foco de veículos tão mainstream quanto o NY Times. Afinal, se a música de pista realmente se torna assunto de pauta nesses espaços, é porque algo relevante está acontecendo — mesmo que ainda não saibamos ao certo o quê.
